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27 de Outubro de 2006 às 13:59

Sonho concertado

Assim mesmo. Sonho concertado com "c", porque é disso que se trata. De um concerto. De um sonho de talento que a persistência, empenho e visionarismo profissionais transformaram num dos álbuns mais comoventes que se gravaram em Portugal nos últimos anos".

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O juízo empresto-o, sem meias tintas, de Rui Vieira Nery, na sua apreciação de "do outro lado" que Carlos Martins nos pintou, em música, na Grândola onde ele se fez de projecto de seus pais num dos mais iluminados construtores de pontes entre culturas dos nossos dias.

Ao "cáinha" – como lhe chamamos desde meninos – sempre lhe brilhou essa luz interior. Eu bem o sei que a via, ofuscando o protagonismo do céu estrelado nas noites estivais, da praia de Melides.

É desse menino, assim persistindo, puro de alma, apesar dos anos – acelerando para os 50 – que embico excepção, destas "selvas urbanas", dedicando a desta semana a uma pessoa, que sendo "só" um de nós o é muito mais do que isso.

Por nos fazer questionar o olhar, o escutar e os muros que vamos somando à nossa volta. Aceitando fronteiras, impossíveis como tanto. Divisões como tal.

"Do outro lado" é a prova provada de tudo quando perdemos e alienamos ao nos acomodarmos aos lugares comuns que só o são isso mesmo; Lugares comuns. O desperdício de nos acrescentarmos no adicionar da diferença.

"Instruí-me na arte de envelhecer, de querer morrer criança, de passar "além da dor", de aprender a namorar o céu a olhar o universo" – explica o saxofonista, o cáinha, o autor, o "conspirador" do desassossego.

Que uniu nesta ponte uns tais de Carlos do Carmo, Camané, Mayra Abrantes, Ney Matogrosso, Bernardo Sassetti, Nelson Cascais e Alexandre Frazão. Viagens entre o jazz, o fado, as mornas, o choro brasileiro e o brilho clássico da Orquestra Sinfoneta de Lisboa.

De arrepiar aquele "homem na cidade" numa "ménage a quatre" onde o piano de Sasseti e o sax de Cáinha mais pareciam extensões das vozes "duetadas" de Carlos do Carmo e Camané.

E depois, de onde surgiu aquele portento chamado Mayra? Cabo-verdiana, recém-menina, radicada em Paris, onde Carlos do Carmo a "descobriu" para este projecto.

"Di tudo desse mundo co tudo ses tudo cá tem destino maior nem más fundo qui amá."

A jovem musa cabo-verdiana arrepia-nos os sentidos nesta morna, que ela própria inspirou em poema assinado pelo Cáinha e posteriormente criolado.

Volto, com a devida vénia, a pedir emprestadas as palavras de Rui Nery, para prestar honra e respeito, ao talento, ao visionarismo e ao rasgar com o já sentado e acentado.

"A História ensina-nos, lamentavelmente, que o encontro entre diferentes culturas raramente tem lugar numa espécie de areópago idílico de diálogo, cooperação e intercâmbio".

"Na realidade histórica as culturas tendem a desconfiar umas das outras; cada uma delas tende a considerar-se dona exclusiva da verdade e a ver as demais como uma ameaça".

É por isso que, este "Do outro lado" de Carlos Martins com orquestra, é um sonho concertado. Por isso mesmo. Porque foi sonhado e Concertado. Num disco mágico. Onde cabemos todos.

Os que quisermos deixar de ser lugares comuns. Consumidores de big-brothers, noticiários sem Mundo, um Planeta sem alma.

Obrigado Cáinha. E seus "cúmplices". Pelo concertar do sonho. Assim mesmo. Sem medos. Com "C".

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