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23 de Fevereiro de 2011 às 11:26

Porque o Egipto deveria preocupar a China

Uma interpretação estritamente económica dos acontecimentos na Tunísia e no Egipto seria muito simplista – ainda que esse exercício seja muito tentador para um economista.

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Dito isto, não há dúvida que as convulsões em ambos os países – e ainda em outros locais do mundo Árabe – reflectem amplamente o fracasso dos seus governantes em distribuir a riqueza.

O problema não está na incapacidade para gerar crescimento económico. Tanto na Tunísia como no Egipto, as autoridades têm reforçado as políticas macroeconómicas e enveredaram por uma abertura da economia. As suas reformas produziram fortes resultados. O crescimento anual desde 1999 foi, em média, de 5,1% no Egipto e 4,6% na Tunísia – não comparável ao padrão das taxas de crescimento da China, contudo, comparáveis com as de países emergentes como o Brasil e a Indonésia, que são amplamente vistos como economias de sucesso.

O problema é que os benefícios desse crescimento não chegaram à juventude mais desfavorecida. A percentagem de trabalhadores com menos de 30 anos é mais alta no Norte de África e no Médio Oriente do que em qualquer outra parte do mundo. As suas perspectivas económicas são proporcionalmente mais limitadas. Os licenciados encontram poucas oportunidades fora da área da banca e do sector financeiro. Qualquer pessoa que tenha viajado pela região terá tido a experiência de um guia turístico altamente instruído e excessivamente educado.

Com uma indústria moderna subdesenvolvida, muitos jovens trabalhadores, com menos competências e com menos instrução, estão destinados ao sector informal. A corrupção alastrou-se. Seguir em frente depende de conhecimentos pessoais como os que são utilizados pelos filhos dos militares e dos políticos, mas por poucos mais.

Pode parecer difícil pensar que uma economia em franco crescimento como a da China poderá vir nos próximos tempos a enfrentar problemas semelhantes. Mas os sinais de alerta estão lá. Dada a falta de liberdades políticas, a legitimidade do governo chinês assenta na sua capacidade para melhorar o nível de vida e melhorar as oportunidades económicas para as massas. Até agora, essas massas têm tido pouco do que se queixar. Mas isso pode vir a mudar, e de repente.

Em primeiro lugar, há o problema crescente do desemprego e o subemprego entre licenciados. Desde 1999, quando o governo chinês começou a impulsionar o incremento do ensino universitário, o número de licenciados aumentou sete vezes, mas o número dos mais qualificados e o número dos mais bem pagos não acompanhou essa tendência.

Certamente que o país tem muitos relatos de licenciados desesperados por não conseguirem encontrar um emprego produtivo. Os jornais e “blogs” apelidam os recém-licenciados de uma “tribo de formigas” que vivem em caves exíguas nas grandes cidades enquanto, futilmente, procuram trabalho.

Em parte, estes resultados infelizes reflectem a inflexibilidade do sistema de educação da China. Os estudantes passam quatro anos nas universidades a estudarem uma única disciplina, seja ela contabilidade ou informática. Como resultado, eles têm poucas habilitações para outras áreas no caso de, o emprego pelo qual esperam, não se concretizar. Têm também havido a tendência para empurrar os estudantes para áreas como a engenharia, apesar da economia chinesa estar agora a começar a mudar da produção para os serviços.

Assim, a China precisa de avançar rapidamente para uma reforma na educação. Precisa de dar aos estudantes universitários habilitações mais diversificadas, mais formação geral e encorajá-los a pensarem de forma mais crítica e com mais criatividade.

Além disso, há o problema dos migrantes que vêem do campo, que têm menos qualificação e menos instrução, e que estão destinados a empregos de segunda classe na cidade. Sem licenças de residência urbana, não têm acesso às limitadas protecções e benefícios laborais. E, como estão cá hoje mas podem partir amanhã, recebem pouca formação.

Os migrantes sublinham a importância de reformar o Hukou, o sistema de licenças residenciais da China. Várias províncias e cidades chegaram ao extremo de as abolirem, sem consequências catastróficas. Outras poderiam seguir o seu exemplo.

Finalmente, a China precisa de resolver com seriedade o problema da corrupção. As ligações pessoais, ou guanxi, continuam a ter um papel determinante para se ser bem sucedido. Os mais recentes migrantes do campo e os licenciados de universidades de segunda não têm esses níveis de conhecimento. Se eles continuarem a ver os filhos dos mais altos membros do governo a terem mais oportunidades, o descontentamento vai crescer.

A capacidade que os jovens com menos oportunidades – em particular os jovens com estudos universitários – para usarem redes sociais para se organizarem e mostrarem a sua força foi recentemente demonstrada na Tunísia, no Egipto e em outros países. No mês passado, as autoridades egípcias ainda podiam controlar todo o tráfego da internet e as autoridades chinesas conseguiram bloquearem a palavra chinesa que significa “Egipto” do seu serviço Sina, que é idêntico ao Twitter. Mas nas redes sociais, como na banca, os regulados tendem a estar um passo à frente do regulador. Desligar estes serviços vai ser cada vez mais difícil.

Se as autoridades chinesas não actuarem com rapidez para canalizarem estas injustiças populares e travar potenciais fontes de descontentamento, eles podem eventualmente serem confrontados com um levantamento – um levantamento mais determinado que a manifestação dos estudantes que foi esmagada na praça de Tiananmen, em 1989.


Barry Eichengreen é professor de Economia e Ciência Política na Universidade da Califórnia, Berkeley. O seu livro mais recente é “Exorbitant Privilege: The Rise and Fall of the Dollar”

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
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