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11 de Agosto de 2010 às 11:56

Mentira e disparates orçamentais

Em todo o mundo, o debate sobre a consolidação orçamental tem o som de duas vozes que se sobrepõem.

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De um lado estão os que defendem que os governos devem tomar medidas o mais rápido possível, e a qualquer custo, para controlar os défices orçamentais. Colocar as finanças públicas numa situação sustentável, argumentam, é essencial para acalmar os mercados financeiros. Se foram realizados esforços concertados para equilibrar os défices, a confiança aumentará. E se a confiança aumentar, o consumo e o investimento vão subir.

Deste ponto de vista, cortar os défices orçamentais é uma medida expansionista. Como evidência de que isto não é apenas uma possibilidade hipotética, os defensores da consolidação orçamental apresentam os casos da Dinamarca no início dos anos 80, da Irlanda no final dos anos 80 e da Finlândia nos anos 90.

Do outro lado, estão os que defendem é necessário aumentar os gastos públicos para impulsionar a procura. Os gastos privados continuam fracos, pelos menos nos países onde o elevado desemprego levou os consumidores, preocupados com o futuro, a diminuir o consumo.

Além disso, defendem, a evidência que suporta uma consolidação orçamental expansionista é errada. Em todos os casos em que supostamente a consolidação orçamental era expansionista, a economia cresceu devido a um terceiro factor. A Dinamarca cresceu, apesar dos cortes orçamentais, devido à que das taxas de juro, que inicialmente estavam nos dois dígitos. A Irlanda e Finlândia cresceram, apesar dos cortes orçamentais, porque a taxa de câmbio caiu de forma acentuada e impulsionou as exportações dos dois países.

A actual economia mundial, desesperada por procura, não pode contar com nenhum destes mecanismos. Em muitos países as taxas de juro já estão próximas do zero. E os países não podem depreciar as moedas todos ao mesmo tempo.

Assim sendo, o que é que está certo? Imaginem o seguinte: os consumidores e os investidores como passageiros de um carro que vai na direcção de uma parede. Neste caso, os passageiros ficarão mais confiantes se o condutor do carro travar.

Neste caso, os possíveis passageiros são as empresas do sul da Europa. Elas percebem que a situação orçamental dos seus países é insustentável. Sabem que o incumprimento da dívida seria prejudicial. Ao ver a economia a ir na direcção de uma parede, sustêm a respiração, enquanto esperam por evidências sérias de que o governo vai carregar no travão. Neste caso, a consolidação orçamental afecta as suas decisões de investimento de forma positiva.

Isto não significa que a Grécia, Portugal ou Espanha vão crescer de forma tão robusta como a Dinamarca, a Irlanda ou a Finlândia nos anos 80 e 90. Não podem baixar as taxas de câmbio para impulsionar as exportações. Mas podem reduzir as taxas de juro eliminando o risco de um incumprimento da dívida soberana. Os bancos poderão emprestar uns aos outros por menos e, assim, emprestar às empresas por menos. Isto sugere que o investimento pode reagir melhor do que teme os pessimistas.

Mas o que pode funcionar no sul da Europa não tem hipóteses de funcionar noutro sítio qualquer. Nas outras economias do G20, incluindo os Estados Unidos, Alemanha, China e Japão, o carro continua a circular na estrada. A velocidade orçamental pode ser considerável - ou seja, os défices podem ser grandes – mas não há sinais de uma parede no caminho. As taxas de juro da dívida pública continuam baixas. Se os passageiros começaram a ficar intranquilos, elas vão aumentar. Mas por agora os passageiros estão calmos.

Nestes positivos, não há razões para pensar que a consolidação orçamental poderia ter um forte efeito positivo na confiança. Essa possibilidade pode ocorrer no futuro, se a parede surgir no caminho. Mas isso ainda está no horizonte destes países, o que significa que não haveria uma resposta positiva dos gastos privados aos cortes orçamentais. Neste caso, os cortes orçamentais teriam um efeito de contracção.

Finalmente, existem os casos limite, como o Reino Unido. O ministro das Finanças George Osborne afirma que a trajectória orçamental do país é perigosamente insustentável e propôs cortes draconianos. Há que se oponha a esta visão, destacando o baixo nível das taxas de juro e o facto de que mesmo com anterior plano governamental, os custos de endividamento líquidos estavam previstos para cair cerca de dois terços entre 2010/11 e 2014/15.

É quase como se governos como o britânico estivessem a tentar manipular o sector privado fazendo-o acreditar que as condições severas necessárias para uma consolidação orçamental expansionista já tivessem sido cumpridas. É como se estivessem a tentar aterrorizar o sector privado, para que quando a carga orçamental cair, consumidores e investidores irão estar suficientemente aliviados pelo desastre não ter acontecido que aumentar os seus gastos.

Se for este o caso, os líderes estão a jogar um jogo perigoso que depende de fomentar um maior gasto futuro aliciando os consumidores e os investidores no presente, ao mesmo tempo que se reduz o gasto actual precisamente quando ele é mais necessário.

Ou talvez os políticos não acreditem em nada disto e estejam apenas a tentar cortar os gastos por razões ideológicas, independentemente das consequências económicas. Mas quem seria tão cínico para acreditar nisto?



Barry Eichengreen é professor de Economia e Ciência Política na Universidade da Califórnia, Berkeley.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org


For a podcast of this commentary in English, please use this link:
http://media.blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media/ps/eichengreen19.mp3




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