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Opinião
15 de Dezembro de 2010 às 11:41

A inevitável reestruturação da Europa

O que foi considerado como uma simples crise grega, ou como uma simples crise grega e irlandesa, é agora claramente uma crise da Zona Euro.

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Resolver essa crise é, simultaneamente mas fácil e mais difícil, do que normalmente se supõe.

A economia é, realmente, muito simples. A Grécia tem um problema orçamental. A Irlanda tem um problema no sistema bancário. Portugal tem um problema de dívida privada. A Espanha tem uma combinação dos três. Mas, apesar dos detalhes serem diferentes, as implicações são iguais: todos têm que realizar cortes terrivelmente dolorosos.

O procedimento padrão para amortecer os efeitos das medidas de austeridade é juntar os cortes domésticos com a desvalorização da moeda. A desvalorização torna as exportações mais competitivas, substituindo a procura externa pela procura interna, que está a ser comprimida.

Mas, dado que nenhuma destes países tem uma moeda nacional para desvalorizar, têm que substituir a desvalorização interna pela desvalorização externa. Têm que cortar salários, pensões e outros custos de forma a alcançar o mesmo ganho de competitividade necessário para substituir a procura externa pela procura interna.

De facto, estes países em crise têm mostrado uma forte determinação para implementar cortes dolorosos. Mas há uma variável económica que não se ajustou às outras: a dívida pública e privada. O valor das dívidas governamentais permanece intacto e, à excepção de uma série de obrigações para os credores, as dívidas dos bancos também permanecem inalteradas.

Este simples facto cria uma importante contradição para a estratégia de desvalorização interna: quanto mais os países reduzem salários e custos, mais pesados se tornam os encargos com a dívida. E, à medida que o peso da dívida se torna maior, são necessários mais cortes públicos e mais aumentos de impostos para pagar a dívida do governo e dos seus pupilos, como os bancos. Isto, por sua vez, aumenta a necessidade de uma maior desvalorização interna, de aumentar a dívida e, assim sucessivamente, num ciclo vicioso até à depressão.

Assim, para que a desvalorização interna funcione, o valor das dívidas, quando já são muito elevadas, deve ser reduzido. A dívida do governo deve ser reestruturada. A dívida dos bancos deve ser convertida em capital e, quando os bancos são insolventes, deve ser reestruturada. As dívidas com hipotecas devem, igualmente, ser reestruturadas.

Compreensivelmente, os decisores políticos estão relutantes em seguir esta opção. Os contratos são sagrados. Os governos têm receio de perder a credibilidade junto dos mercados financeiros. Quando as suas obrigações são detidas por estrangeiros, e em particular por bancos estrangeiros, reestruturá-las pode apenas destabilizar outros países.

Estas objecções são razoáveis mas não devemos permitir que nos levam a conclusões pouco razoáveis. As alternativas disponíveis são a desvalorização interna ou externa. Os líderes europeus têm que escolher uma. Estão de acordo em descartar a desvalorização interna. Mas a desvalorização interna exige a reestruturação de dívida. Negar isto é, não só, pouco razoável, como ilógico.

Os mecanismos de reestruturação da dívida são simples. Os governos podem oferecer uma série de novas obrigações cujo valor corresponda a uma fracção do valor das obrigações existentes. Aos detentores de obrigações pode ser dada a opção de escolher entre obrigações com um valor nominal igual ao das obrigações existentes mas com uma maturidade mais longa e uma taxa de juro mais baixa ou obrigações de desconto com uma maturidade menor e taxas de juro mais altas mas com um valor nominal equivalente a uma fracção do valor nominal das obrigações existentes.

Fazer isto não é complicado. Já foi feito antes. Mas existem três requisitos para que seja bem sucedido.

Em primeiro lugar, os detentores de obrigações têm que ter a garantia que as novas obrigações são seguras. Alguém tem que garantir que as obrigações são correctamente colaterizadas. Quando a dívida da América Latina foi reestruturada, de acordo com o Plano Brady, nos anos 80, estes incentivos foram fornecidos pelo Tesouro norte-americano. Desta vez, o Fundo Monetário Internacional e o governo alemão devem desempenhar esse papel.

Em segundo lugar, os países devem trabalhar em conjunto. De outra, a reestruturação de um país aumentará as expectativas de que outros o seguirão, dando lugar a um contágio.

Por último, os bancos que tenham prejuízos em resultado destas reestruturações vão precisar de ter os seus balanços reforçados. Os bancos precisam de realizar verdadeiros testes de “stress” e não as farsas oficiais realizadas no início deste ano. Sempre que as perspectivas realistas de reestruturação de dívida indicarem défices de capital, é necessária uma conversão generalizada da dívida bancária em capital. E quando isto não for suficiente, os bancos vão precisar de injecções de capital imediatas por parte dos seus governos.

Mais uma vez, para que isto funcione, é necessário que países europeus trabalhem em conjunto. Além disso, com o reforço do balanço dos bancos, vai ser possível reestrutura as dívidas hipotecárias, as dívidas bancárias e outras dívidas do sector privado sem destabilizar o sistema financeiro.

Agora chegamos a parte mais difícil. Tudo isto exige liderança. Os líderes alemães devem reconhecer que os seus bancos estão perigosamente expostos às dívidas dos países periféricos. Devem conseguir convencer os seus eleitores que usar o dinheiro público para incentivar a reestruturação da dívida e recapitalização dos bancos é essencial para realizar uma estratégia de desvalorização interna, que eles insistem que os seus vizinhos devem seguir.

Em resumo, os líderes europeus – e, acima de tudo, os líderes alemães – devem mostrar que a alternativa é demasiado alarmante para ser contemplada. Porque é.

Barry Eichengreen é professor de Economia e Ciência Política na Universidade da Califórnia, Berkeley.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org

For a podcast of this commentary in English, please use this link:
http://media.blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media/ps/eichengreen25.mp3


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