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01 de Fevereiro de 2011 às 15:44

De volta aos anos 60

As queixas em relação aos efeitos inflacionistas da política monetária norte-americana não param de aumentar

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As queixas em relação aos efeitos inflacionistas da política monetária norte-americana não param de aumentar, apesar da taxa de inflação continuar baixa nos Estados Unidos. As economias que estão a registar um rápido crescimento têm-se esforçado para não serem arrastadas por uma torrente de entrada de capitais. Importantes decisores políticos, desesperados por encontrarem urgentemente alternativas ao sistema monetário norte-americano, foram demasiado longe e defenderam um regresso ao padrão-ouro.

Não estou a falar de 2011. Mas de 1964. Já estivemos nesta situação.

Em 1964, eram as economias europeias em rápido crescimento que criticavam a Reserva Federal norte-americana (Fed). Defendiam que devido a uma política norte-americana imprudentemente expansionista estavam a ser inundados com financiamento importado. Os Estados Unidos estavam a “exportar inflação”.

As autoridades norte-americanas responderam que as entradas financeiras reflectiam o subdesenvolvimento dos mercados de capitais da Europa. O problema da inflação na Europa era uma consequência da relutância dos bancos centrais em aplicar uma política mais restritiva e da hesitação dos países europeus em deixar apreciar as suas moedas, reflectindo o seu antigo compromisso com um crescimento orientado para as exportações.

Plus ça change, como diriam os franceses.

Na época do general Charles de Gaulle, os franceses defenderam a adopção do padrão-ouro. Os Estados Unidos seriam, assim, sujeitos a uma política mais restritiva. Mas os franceses nunca explicaram exactamente como se poderia restabelecer o padrão-ouro e como é que isso se iria reflectir nos preços e na estabilidade económica, dada a volatilidade dos mercados do ouro e as desastrosas consequências do padrão-ouro – em particular na França – durante a década de 30.

Por outras palavras, o debate foi tão confuso e complicado como está a ser actualmente. O único efeito positivo foi ter lançado a iniciativa de reformar o sistema monetário internacional. Agora que o Governo francês – eles outra vez! – se comprometeu em fazer da reforma monetária internacional o tema principal da presidência do G20 em 2011, convém recordar a história exemplar dos anos 60.

Nessa altura, a diplomacia monetária internacional estava centrada na criação de uma nova forma de reservas internacionais, que chegaram a ser os Special Drawing Rights (SDR) do Fundo Monetário Internacional (FMI). A ideia consistia no seguinte: ao emitir SDR, o FMI fornecia às economias que estavam a recuperar o seu atraso económico e tentavam acumular reservas, um meio alternativo de acumular dólares. Os Estados Unidos já não poderiam acumular défices da balança de pagamento “sem sofrer”. Era possível controlar a política norte-americana sem privar a economia mundial de liquidez.

O esforço falhou totalmente. Os SDR nunca foram uma alternativa atractiva ao dólar, pois eram apenas um modesto complemento do dólar e de outras unidades nacionais de uso internacional. Como não confiavam no FMI para assumir os poderes de banco central global, os membros do fundo estabeleceram obstáculos muito fortes à criação de SDR. Também não se desenvolveram mercados privados com instrumentos denominados em SDR, o que por sua vez limitou a sua atractividade para os bancos centrais.

A outra questão central das negociações nos anos 60 foi o esforço para aumentar a flexibilidade das taxas de câmbio. As propostas feitas – em resposta ao surgimento de excedentes crónicos na Alemanha e défices crónicos nos Estados Unidos – atraíram cada vez mais atenção assim que as negociações sobre os SDR chegaram ao fim em 1968.

Mas, como existiam países que tinham desfrutado de duas décadas de crescimento económico impulsionado pelas exportações, graças a terem fixado as moedas ao dólar, houve muita relutância em alterar esta situação. Apesar de o FMI defender o princípio de uma maior flexibilidade, num importante relatório sobre as taxas de câmbio, realizado em meados dos anos 70, não ofereceu novas ideias para os países que avançassem nesta direcção nem propôs sanções para os países que resistissem. Os desequilíbrios internacionais continuaram a existir até que o sistema entrou em colapso entre 1971 e 1973.

As recentes alusões do governo francês ao seu programa de reformas para 2011 sugerem que, ao contrário do que se especulava, a atribuição de um papel mais importante aos SDR não faz parte das suas prioridades. Em vez disso, o executivo de Sarkozy vai tentar desenvolver mecanismo para gerir a transição para um sistema monetário internacional em que o dólar, o euro e renminbi desempenhem papeis mundiais relevantes.

Trata-se de uma passo frente. Um passo que reflecte uma aprendizagem real com a história. Mas os franceses ainda não indicaram que vão exigir a aplicação de sanções aos países com excedentes crónicos que não consigam ajustar as suas moedas. A falta destas sanções foi uma das principais fraquezas do sistema de Bretton Woods e continua a ser do sistema actual – que por coincidência é conhecido por Bretton Woods 2.

Sem a aplicação de sanções aos desequilíbrios globais, o passo francês vai deixar-nos a meio de um enorme abismo. Em pleno ar, sem solo firme por baixo, nem impulso suficiente para chegar ao outro lado, não é o local onde deve estar a economia global.


Barry Eichengreen é professor de Economia e Ciência Política na Universidade da California, Berkeley e autor do livro “Exorbitant Privilege: The Rise and Fall of the Dollar and the Future of the International Monetary System”, publicado este mês.


Direitos de Autor: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org

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http://media.blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media/ps/eichengreen26.mp3
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