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01 de Fevereiro de 2006 às 13:59

Por um estado estratégico

Nesta campanha para as presidenciais, como aliás tem vindo a acontecer em muitas outras, a generalidade dos discursos e das acções passaram ao lado de grandes problemas que nos afectam, determinam e são prevalecentes na parcela do Mundo a que inexoravelme

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Faria sentido que os candidatos ao mais alto cargo da hierarquia do Estado tivessem aproveitado a oportunidade para se pronunciarem pelo menos sobre alguns desses problemas: sobre a natureza do estado contemporâneo e sobre as transformações a que forçosamente se terá de submeter o Estado português para poder fazer face aos desafios actuais.

Estão em causa, por exemplo, as funções que genericamente lhe estão agora reservadas num quadro de partilha, em termos de cooperação ou de concorrência, com as novas instituições supranacionais e de um ponto de vista mais centrado na realidade nacional, o papel que pretende desempenhar como agente económico e social de referência.

São questões que se prendem com a era em que vivemos e onde, pelas mais variadas razões, se questiona a natureza e a sustentabilidade dos actuais estados-nação cuja autoridade se foi diluindo num processo que, persistentemente, tem vindo a redefinir as suas fronteiras de actuação. As novas formas de organização à escala regional e mundial e até as novas formas de afirmação da cidadania, sobretudo a maneira como têm vindo a ser assumidas, têm criado uma diferente repartição do poder que retira, por exemplo, aos governos democraticamente eleitos a gestão das sociedades e das suas organizações. Estamos então perante aquilo que vem designando como a crise do Estado-Nação.

A verdade é que estamos hoje a assistir a um processo de subversão das regras que foram dominantes durante uma grande parte do século XX: hoje o que se impõe e dita as novas regras do jogo são ainda algumas grandes instituições internacionais (ONU, FMI, BM, OMC ...), mas o que é verdadeiramente decisivo são as enormes empresas multinacionais e, de entre estas, as grandes organizações que integram e servem de suporte ao sector financeiro internacional. E não se trata apenas de uma questão de dimensão mas de uma alteração dos valores e das culturas empresariais gerada no contexto da competitividade e dos outros temos da família: a rentabilidade dos capitais no posto de comando, a necessidade imperiosa de conquistar mercados a qualquer preço, a capitalização bolsista, a necessidade de prioritariamente remunerar os accionistas, a medição do sucesso dos gestores feita através de resultados que são o integral de tudo o que está acima referido. No fundo o que este processo de globalização veio realmente subverter foi a ética do capitalismo, que neste tempo de transição (ou de turbulência?), parece ter-se eclipsado, gerando um sistema sem ética ou onde a ética é um fio quase sem espessura e sem valor.

O que caracteriza estas novas instituições, e os poderes que lhe estão associados, é a sua fluidez, mobilidade, instabilidade, contrastando com a inamovibilidade, a rigidez e o peso do velho poder onde pontificavam relações fundadas na proximidade territorial que foram e estão a ser, aceleradamente, substituídas pelas relações geradas no contexto das novas tecnologias de informação e de comunicação que quase anularam as duas grandes categorias anteriores: o espaço e o tempo.

É neste contexto que reentra a ideia de Estado e chegamos ao Estado estratégico , conceito que emerge da necessidade de desenvolver novos instrumentos que suportem a adequação das funções do Estado ás exigências actuais. Trata-se, então, de avançar para uma reformulação profunda das suas antigas vocações: distanciando-se da mera distribuição e redistribuição mecânica dos recursos, para o que já não possui  meios adequados, assumindo-se como «animador e parceiro», envolvendo-se assim na promoção da eficiência dinâmica da economia e fomentando «a emergência de uma sociedade participativa», ou seja, evoluindo e cooperando, em simultâneo, com a economia e sociedade.

O Estado estratégico tem também de ser um estado previsível e fiável, onde as políticas apresentem solidez interna e sejam consistentemente levadas a cabo, percam o carácter atrabiliário e inconsequente, como aconteceu tantas vezes no passado e, finalmente, deixem de estar vinculadas aos ciclos políticos, por natureza conjunturais.

Como é obvio, grande parte destas questões estão a colocar-se em Portugal ainda com a maior acuidade: mesmo tendo em conta as reformas mais ou menos «estruturais» introduzidas nos últimos 30 anos, o nosso Estado, apesar dos esforços mais recentemente empreendidos, ainda está muito longe de ser um paradigma de modernidade.

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