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17 de Abril de 2006 às 13:59

Ovos de Páscoa

Mais do que histórico, quase visceral, o destino africano continua a marcar-nos. Talvez porque em África não nos sentimos emigrantes. Talvez porque lá nos sentimos venerados. Talvez porque lá nos sentimos alguém. Alguém que não somos ou não soubemos ser n

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Se numa perspectiva religiosa a Páscoa convida à reflexão, numa perspectiva pagã incita às guloseimas. E se todos os homens têm em si a criança que nunca cresceu, os tempos de Páscoa são, entre outras calorias, tempos de ovos. Este ano, mais do que de qualquer velha capoeira, ovos de Angola.

Assim pensou o nosso PM. Que tem uma atracção muito especial por coisas de grande escala. Internamente, a OTA e o TGV. Nas relações externas, Angola. Se a galinha dos ovos de oiro está em Angola, é para lá que se deve rumar, rápida e alegremente. A «caravana da alegria» de que falava o director deste jornal, foi lá, esteve lá e de lá veio em jubilosa esperança. Ocorre que se confrontaram dois olhares sobre a visão da nova terra prometida. O que realça a oferta de 900 milhões de dólares pelo famoso bloco 15 feita na semana passada por uma multinacional e que acredita na transparência da abertura das propostas para as concessões dos blocos de petróleo e um outro que põe a tónica no que se passa – e passa mal – nas áreas da saúde, da educação e do pequeno comércio. Chamemos ao primeiro, um olhar empresarial. Praticado por poucos, com muito. E ao segundo, um olhar social e cultural.

Experimentado por muitos, com pouco. Eles não são, evidentemente, incompatíveis. Mas não se pode ter duas paixões com a mesma intensidade ou não se deve sob pena de maleitas multiplicadoras. Ora, o nosso PM já escolheu qual das visões privilegia. É a primeira, sem hesitações. Não se trata bem de esquecer a segunda. Não é tanto isso. É, simplesmente, a preferência pelo dote. Para tanto e ao seu serviço coloca o que de melhor sabe fazer: potenciar o que chama as «estruturas informais» – leia-se, as relações pessoais. Ao Presidente de Angola foi cantar o que Sara Brightman disse a José Carreras e ficaram amigos para sempre. O PS enviou, antes, delegação de sapadores para aplainar caminho e preparar a amizade. Com isto se matou o fantasma das relações que provocaram imensas ralações. E se pôs mais uma pedra na influência da família Soares para aquelas bandas, continuando o inexorável caminho de desgaste que sofre quem não sabe sair a tempo. O novo amor de Sócrates durará enquanto durar. É possível que dure mais do que duraram a OTA e o TGV que se demoraram pouco no que respeita à sua exequibilidade, como Bruxelas se lembrou de alertar. Mas enquanto durar, é bom.

O que não se sabe é o que Sócrates e quem o acompanhou pensam sobre a fidelidade das parcerias vislumbradas. Se naquele seu estilo, determinado, jovem de espírito e empreendedor achar que é simples a conquista e que daí resulta exclusividade comportamental, simplifica em demasia – é o seu «simplex» descontrolado. A prova é que, menos de uma semana depois da visita lusa, o Mirex  – que é como é conhecido o Ministério das Relações Exteriores – convidava oficialmente o empresariado argentino a investir em Angola. Entre o simplex e o Mirex, é de elementar cautela acreditar no último ou, pelo menos, não acreditar só no primeiro.

De tudo isto ficam duas notas, uma conjuntural e a outra estrutural. A primeira respeita ao que se começa a perceber ser um tropismo: a ansiedade de Sócrates para com tudo o que seja uma produção bem montada – mesmo que, no levantar da feira, não se repare na sua exequibilidade e nos resultados verdadeiramente alcançados. A segunda respeita à nossa vocação e ao nosso destino. Mais do que histórico, quase visceral, o destino africano continua a marcar-nos. Talvez porque em África não nos sentimos emigrantes. Talvez porque lá nos sentimos venerados. Talvez porque lá nos sentimos alguém. Alguém que não somos ou não soubemos ser na Europa. Talvez não gostemos de ser iguais. Ou nos achemos deslocalizados. E porque isto nos está no sangue seremos sempre assim.

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