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04 de Dezembro de 2009 às 11:29

Os ministros do dinheiro

(Onde o autor inventaria alguns tipos de ministros das Finanças - os homens do "cacau" - de forma não sistemática, antes numa espécie de passeio aleatório, para chegar ao nosso abençoado Teixeira dos Santos.)

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Os ministérios das Finanças têm a ver com o erário ou fazenda públicos (isto é, o estômago social), acumulando ou não com outras funcionalidades da governação, sejam ou não dirigidos por vizires eunucos ou professores de finanças públicas ou mesmo guerrilheiros reformados.

Como é bom de ver, têm que se suportar no rigor de exercício e na bondade da informação que disseminam pela comunidade, sob pena de os desequilíbrios subsequentes conduzirem a duras consequências para os governados.

Em regimes autoritários, as coisas decretam-se; em democracia, tudo passa por mecanismos mais finos, num sistema de equilíbrios, no qual o impulso de agradar ao eleitorado colide frequentemente com o imperativo do rigor. Mas como o múnus na destinação dos dinheiros - que é para ser suportado pelos contribuintes, e não pelo Estado, como se diz nos países de desperdício, numa espécie de baldio onde "o que é de todos não é de ninguém" - acaba por definir a governação, o rigor tem de predominar e tudo o resto passa a ser incompetência, desleixo ou má-fé política.

O regente das Finanças de um país de boa governança tem que ser, no fundo, uma firme dona de casa japonesa, pelo que, se ainda se pode aguentar um primeiro-ministro politiqueiro, isso só funciona minimamente havendo um homem das finanças da maior seriedade intelectual e funcional. Às vezes, deverá mesmo tornar-se uma némesis de todos os outros da governação.
Um percurso histórico-geográfico terá a sua graça e, então, aqui vamos.

Começamos, evidentemente, pelo Prof. Doutor, ainda por cima porque a época é de nacionalismos e restaurações. Com ele, o rigor financeiro passou a religião de Estado mesmo para os agnósticos, mas o certo é que o gaste-agora-e-pague-depois da 1ª República foi saneado com uma penosa reestruturação da dívida pública, racionalização estrita da despesa e aumento de impostos. Mas, como se dizia acima, rigor com um cassetete é sempre mais fácil de implementar.

Exemplo muito interessante de paulada a sério, ainda mais acumulada com "seja-o-que-Deus-quiser", vem do nosso amigo Ernesto Che Guevara, ministro da Economia e Finanças de Cuba, após o derrube de Baptista. Do episódio ficou sempre a estória de Fidel lhe ter perguntado por que se havia oferecido para o cargo. "Não sabia que eras um economista", teria exclamado Fidel, com a réplica de Ernesto: "Julguei que tinhas pedido um comunista". (Elucidativo exemplo do "si non è vero è bene trovato").

Mas se o ingénuo leitor pensa que coisas dessas já não acontecem nos tempos modernos, porque, enfim, bolas!... desengane-se. Por exemplo, o lídimo ministro das Finanças do excelso Hugo Chaves é Rodriguez Araque, cujo ponto alto do "curriculum vitae" consiste em ter sido guerrilheiro tupanamaro nos anos 80, coisa muito mais distinta naquelas paragens que um doutoramento em Harvard. Se associarmos o homem às ameaças de nacionalização dos bancos, percebemos por que os títulos da dívida soberana da Venezuela levaram mais um tombo nos mercados internacionais.

A referência seguinte vai para um homem que ilustra magistralmente a ligação democracia/rigor/sucesso absoluto, um bem escasso de que tanto necessitamos: Ludwig Ehrhardt. O pai do milagre económico alemão do pós-guerra tornou-se ainda mais relevante simbolicamente por suceder a uma tirania e se confrontar com a ditadura da RDA. Um AAA+.
Em democracia europeia, mas no extremo oposto, chegamos ao nosso TS. Eu sei que ele, no ano passado, tinha sido classificado o pior ministro das Finanças da UE pelo "Financial Times", todavia, sempre atribuí o epíteto a conspiração do imperialismo com Ferreira Leite. Mas não é esse o ponto; o que interessa é que um técnico muito respeitado, também pessoalmente, caiu nisto que temos visto, um misto de "stand up comedy" e burla política - o que nem o contágio de Sócrates, pior que o da Gripe A, consegue explicar.

Momentos como classificar o orçamento rectificativo como "distributivo", adiar para depois das eleições a revelação de um défice do sector Estado superior a 8%(1) (toda a gente já diz que é mais, porque ele só anunciou 8), afirmar que não corrigiu os anunciados 5,7% para não desmotivar a administração fiscal ou assegurar que não haveria aumento de impostos quando o falecido Código Contributivo pouco mais era que isso, nem dá para criticar mas para entristecer.
Já não temos um considerado homem das finanças públicas, antes um animador de hostes desanimadas e promotor da balela política.

(1)Não estão incluídos os défices circenses das empresas da órbita do Estado, como CP, EP e outras que tais. O défice a apresentar não passará nunca de contabilidade criativa.

Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
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