Opinião
Uniões, desuniões, crises e cimeiras "on the rocks"
(Onde o autor desenvolve um poderoso raciocínio sobre o que se vem passando na União Europeia, seja o aprofundamento das relações entre países membros, seja a crise do euro e das dívidas soberanas, concluindo, também com grande poder intelectual, que nada ocorreu que não estivesse à vista, e que a cimeira do "tudo ou nada" há-de ser sempre a seguinte).
Depois de 247 cimeiras, mais coisa menos coisa, até eu já tinha concluído que, com estes actores e neste contexto, a União Europeia não resolve o que quer que seja com golpes dramáticos. A coisa lá vai seguindo no seu vagar e nem o facto de haver uma crise aflitiva estimula os dirigentes. Surpreendente? Nada disso, pois os pontos de vista e os interesses de curto prazo divergem profundamente e o antigo sistema em que havia uma Alemanha, cheia de sentimentos de culpa e desejos de regressar à Humanidade, a pagar, e uma França, com manias de "grandeur", com enorme empenho de dirigir e fazer andar, esse sistema, pura e simplesmente acabou.
Neste segmento histórico, a confederação europeia , como entidade, não passa de um magma enorme e pegajoso ao sabor da inércia pois andou demais com pernas a menos. Dramático? Nada disso, visto ser indiferente, para efeitos de distância, marchar depressa no início e devagar mais para a frente ou o contrário. Este modelo de percurso, mais oportunístico que planeado, é afinal a maneira mais inteligente de prosseguir, porque nem a ordem unida não se coaduna com a democracia nem a unanimidade se ajusta à diversidade.
Eu, que não acredito em milagres, acho completamente milagroso que inimigos perenes , rivais de estimação e gente que se encontra casualmente construam todos uma unidade viável, embora complexa, e chegue aos cinquenta anos de convívio (contando com o "namoro"), nesta santa desarmonia harmoniosa. Claro que temos uma crise maior para resolver e isso é que cria ansiedade, mas de resto tudo vai andando como dantes, quartel general em Abrantes. Conformista? Nada disso, pois ainda há bem pouco tempo andava tudo à turra e à massa com a Convenção Europeia, o remendo do Tratado de Lisboa, referendos "à la carte", para não falar que a União até tem um Presidente escolhido na base do menor denominador comum e que só muito empurrado aceitou o encargo e à terceira vez. Isto tudo para dizer que ainda não esbarramos no iceberg e isso nem sequer vai acontecer, mesmo que para uma Merkl apareça sempre um Cameron "odd MAN out" e haja até quem pense que anões dão murros na mesa para intimidar gigantes.
Mas passando ao que interessa no concreto, e isso é o problema do euro e das dívidas soberanas, é de dar nota de 60, numa escala de 100, no que toca à bondade dos resultados da cimeira dos dias 8/9. Surpreendente? Nada disso, mesmo que os mercados, no dia em que escrevo, estejam no vermelho cor de sangue e eles é que sabem, embora eu fique muito sentido por aparentemente ligarem mais ao que diz a Moody's do que ao que eu digo. Um resultado mede-se por relação a uma expectativa e a verdade é que o realismo não prognosticava nada de particularmente positivo. Logo, o simples facto de se ter saído sem um desastre já é um bem, pois a linha de água estava no ponto de se manter tudo igual , mas aconteceram pequenos apontamentos bons e nenhuma nota insanavelmente menos. Os mercados estão negativos e o euro marginalmente abaixo dos 1,3 USD mas isso é porque a perspectiva de falta de crescimento na Europa implica uma muito maior possibilidade de incumprimentos de dívida soberana e porque a falta de resposta do Fed aos malvistos indicadores económicos nos EUA aumenta o pessimismo.
De resto, depois do encontro romântico Merkozy num motel a 20 km de Bruxelas no dia 5, segundo dizem, via-se que a linha alemã ia vencer e nem era por jogarem kriegspiel ou por o Sarkozy preferir alemãs loiras e buchas a italianas morenas e longilíneas. Com 27 na União, 17 no euro e a Grã-Bretanha a deixar o continente permanentemente isolado(1), "haja quem mande!", como se dizia noutros tempos que não se podem nomear, para mais com enorme maioria. E isso vai havendo, mesmo sem bigode de vassoura. Perguntar-se-á se a direcção é boa, mas algo eu sei: pode-se escrever a regra de oiro quanto aos défices orçamentais e às dívidas dos países nas constituições ou nas portas dos frigoríficos, mas fazer como os ganhadores não há-de ser má ideia.
(1) Não consigo resistir a contar a piada do chefe da oposição ao PM britânico, no parlamento local: " Vc. conseguiu emitir um veto que não parou coisa nenhuma".
Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença).
Neste segmento histórico, a confederação europeia , como entidade, não passa de um magma enorme e pegajoso ao sabor da inércia pois andou demais com pernas a menos. Dramático? Nada disso, visto ser indiferente, para efeitos de distância, marchar depressa no início e devagar mais para a frente ou o contrário. Este modelo de percurso, mais oportunístico que planeado, é afinal a maneira mais inteligente de prosseguir, porque nem a ordem unida não se coaduna com a democracia nem a unanimidade se ajusta à diversidade.
Mas passando ao que interessa no concreto, e isso é o problema do euro e das dívidas soberanas, é de dar nota de 60, numa escala de 100, no que toca à bondade dos resultados da cimeira dos dias 8/9. Surpreendente? Nada disso, mesmo que os mercados, no dia em que escrevo, estejam no vermelho cor de sangue e eles é que sabem, embora eu fique muito sentido por aparentemente ligarem mais ao que diz a Moody's do que ao que eu digo. Um resultado mede-se por relação a uma expectativa e a verdade é que o realismo não prognosticava nada de particularmente positivo. Logo, o simples facto de se ter saído sem um desastre já é um bem, pois a linha de água estava no ponto de se manter tudo igual , mas aconteceram pequenos apontamentos bons e nenhuma nota insanavelmente menos. Os mercados estão negativos e o euro marginalmente abaixo dos 1,3 USD mas isso é porque a perspectiva de falta de crescimento na Europa implica uma muito maior possibilidade de incumprimentos de dívida soberana e porque a falta de resposta do Fed aos malvistos indicadores económicos nos EUA aumenta o pessimismo.
De resto, depois do encontro romântico Merkozy num motel a 20 km de Bruxelas no dia 5, segundo dizem, via-se que a linha alemã ia vencer e nem era por jogarem kriegspiel ou por o Sarkozy preferir alemãs loiras e buchas a italianas morenas e longilíneas. Com 27 na União, 17 no euro e a Grã-Bretanha a deixar o continente permanentemente isolado(1), "haja quem mande!", como se dizia noutros tempos que não se podem nomear, para mais com enorme maioria. E isso vai havendo, mesmo sem bigode de vassoura. Perguntar-se-á se a direcção é boa, mas algo eu sei: pode-se escrever a regra de oiro quanto aos défices orçamentais e às dívidas dos países nas constituições ou nas portas dos frigoríficos, mas fazer como os ganhadores não há-de ser má ideia.
(1) Não consigo resistir a contar a piada do chefe da oposição ao PM britânico, no parlamento local: " Vc. conseguiu emitir um veto que não parou coisa nenhuma".
Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença).
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