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22 de Dezembro de 2011 às 23:30

O Cabo das Tormentas

(Onde o autor louva o governo pelo seu discurso de verdade, ainda mais pelo confronto com o do anterior, adepto do estilo Fitz, mas alinha com as críticas continuadas no sentido de que falta a parte pedagógica e psicológica, visto que o método paliativo e de esperança não é seguramente incompatível com a mensagem de rigor que os cidadãos exigem e preferem).

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(Onde o autor louva o governo pelo seu discurso de verdade, ainda mais pelo confronto com o do anterior, adepto do estilo Fitz, mas alinha com as críticas continuadas no sentido de que falta a parte pedagógica e psicológica, visto que o método paliativo e de esperança não é seguramente incompatível com a mensagem de rigor que os cidadãos exigem e preferem).

Quando Churchill pronunciou o seu famoso discurso do "sangue suor e lágrimas" , podia fazê-lo na sua implacável crueza porque os orgulhosos britânicos sabiam que a alternativa era um odiado inimigo que ainda não há 20 anos os havia sangrado. Connosco, a distância é incomensurável , mas não deixa de ser verdadeiro que, para um país europeu no século XXI, em plena paz e dotado das benesses que o tempo e o lugar proporcionaram, dificilmente se poderia estar pior. Mas, embora os portugueses tenham visto que a realidade não é a que lhes era pintada, torna-se difícil tomar as agruras como coisa acertada e inevitável, sendo também verdadeiro que as pessoas nem sempre acreditam apenas no que faz sentido, e o cansaço e a usura destroem a determinação e a crença. Oitenta por cento do eleitorado votou no memorandum da troika, mas seguramente não tinha consciência da violência do que se seguiria e que, aliás, está ainda por vir em toda a sua extensão. No tempo de Churchill, os germanófilos tinham de estar calados, inclusive por lei, mas agora até destacados membros do partido que negociou a austeridade e as reformas estruturais já desdizem o pacto e só passaram alguns meses desde a assinatura firme. O tal que se estava a borrifar para a dívida e para os credores não é apenas um indivíduo a expressar as suas opiniões, mas sim um alto responsável que abusa da responsabilidade do partido donde vem, bem diferente da dos que anunciam amanhãs que cantam. E nem falo do que em França asseverou que as "dívidas dos países não são para pagar bla, bla, bla", esse que negociou e firmou pessoalmente o acordo, mas já se sabe ser inimputável.

Ora, quarta-feira, ouvi com agrado o primeiro-ministro afirmar que em 2013 será passado o Cabo das Tormentas. Não é porque acredite absolutamente nisso, bem pelo contrário penso que nos tramaram para muitos anos, mas gostei da figura de retórica que diz simbolicamente muito aos portugueses e espalha esperança sem prometer facilidades. Rigor e incentivo. È esse mesmo o tom que o governo deverá tomar. Para não assustar e não ser acusado de radicalismo, acrescento sem necessidade que não se pede a ninguém para andar a pregar a verdade por tudo quanto é canto, mas que a veracidade é imprescindível, e isso não é dizer "a verdade, só a verdade e nada mais que a verdade so help me God", como se diz nos filmes.

Há outro vector imprescindível no discurso governamental, tanto mais importante quanto acabamos de ser expulsos do país das maravilhas sem perceber muito bem o que aconteceu: a explicação" tim tim por tim tim" de tudo o que é mais controverso e penoso. As pessoas podem não ser licenciadas em economia mas também não são estúpidas e, normalmente, até vêm artilhadas de fábrica com um implacável bom-senso. Tudo o que é racional pode ser explicado e ao governo deve ser imputada a grave omissão de olvidar a ideia. Mas não pode ser no estilo "menino Jesus aos doutores da Igreja", como faz Gaspar, que ainda por cima não é rei mago, mas muito mais " austerity and reform for dummies", para roubar o título de uma excelente colecção.

Outro ponto existe que não pode ser esquecido e este é talvez o mais grave no diálogo governamental com os portugueses: a confusão factual e conceptual grave. Como é possível deixar o povo ficar sem saber ao certo se há almofadas e folgas orçamentais, tendo até sido ele, governo, o detonador da balbúrdia? Ou, embora com menos gravidade, cair no que parece ser o "discurso da emigração"? Suponho que não serão necessários os falados 5000 assessores, ajudantes e auxiliares como no antigamente, mas apenas transmitir as ideias com precisão e amenidade, e há-de seguramente haver gente habilitada, sem o tique "my name is Alvaro".


Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com


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