Opinião
O valor do colectivo nas empresas
Creio que quem assistiu ao modo emocionado e combativo como a Selecção Nacional de Râguebi entoou “A Portuguesa” dificilmente deixou de sentir um arrepio na espinha. Naquele ritual repetido tantas e tantas vezes noutros estádios e noutras modalidades, os
Muitos foram os portugueses que se reviram na forma enfática como o hino foi cantado durante o campeonato do mundo, tanto mais que os esgares de emoção dos nossos jogadores se converteram, dentro do campo, em determinação, dignidade e valentia, com os honrosos resultados que se conhecem.
Por contraponto, a chamada “Nossa Selecção” – a de futebol, leia-se – brindava, pela mesma altura, os portugueses com resultados medíocres, actuações que tiveram tão pouco de talento como de humildade e a habitual circunspecção, gaguez e mesmo mutismo na hora de cantar o hino. Como cereja no topo do bolo, o seleccionador Luiz Felipe Scolari resolveu agredir um jogador adversário e entaramelar-se, de seguida, com umas desculpas esfarrapadas.
Assim, de repente, os portugueses descobriram que, para lá do futebol, existem modalidades amadoras que sabem honrar o emblema das quinas e encher de orgulho pátrio os portugueses. Com poucos meios e insuficientes apoios, o râguebi e o atletismo, só para citar as modalidades que mais recentemente brilharam lá fora, demonstraram que, no desporto como na vida, os resultados não se obtêm pela mera ostentação de um determinado estatuto, mas sim pelo trabalho, determinação e ousadia com que se perseguem os objectivos.
A lição de humildade da Selecção de Râguebi permite-me estabelecer uma analogia com o início da actividade empresarial de todos os que passam pela ANJE. Nos primeiros tempos, as dificuldades aguçam o engenho e, mais do que isso, exigem uma disponibilidade quase ilimitada. Faz-se de tudo um pouco dentro da empresa que se acaba de criar e executa-se, com o mesmo entusiasmo, tanto o trabalho intelectual como o trabalho braçal.
Na verdade, o empreendedorismo jovem ainda está, tal como o desporto amador, envolvido numa aura romântica, em que, como dizia o poeta António Gedeão, o “sonho comanda a vida”. Quem está a chegar ao mundo dos negócios é conduzido pela mais pura vontade empreendedora, pela teimosia de remar contra a maré, pelo acreditar que é possível ter sucesso mesmo que as condições sejam adversas. Depois, com a evolução dos negócios, esse espírito acaba por se esbater, embora, na larga maioria dos casos, não desapareça completamente.
Mas serve tudo isto para dizer que é necessário transpor, para o mundo dos negócios, a atitude dos jogadores da Selecção Nacional de Râguebi. É preciso “entrar em campo” sem medo de arriscar e disposto a uma entrega total, para evitar as “placagens” do mercado e concretizar “ensaios” sobre a concorrência, seja ela nacional ou internacional. Sim, o horizonte deve ser o mundo na sua globalidade e, tal como os Lobos, sem temer o prestígio e a envergadura dos adversários e sem adoptar a atitude do coitadinho que quer perder por poucos ou apenas cumprir calendário.
Mas as semelhanças não se ficam por aqui: como o râguebi é um desporto que apela mais ao colectivo do que o futebol, sendo caracterizado pela conquista paulatina de terreno, dificilmente um jogador genial pode decidir um jogo ou disfarçar uma fraca exibição colectiva. De igual modo, em qualquer projecto empresarial, sendo importantes os valores individuais, é fundamental o colectivo, o trabalho de equipa, a complementaridade entre todos.
Tudo isto é contrário à atitude de muitos dos nossos melhores gestores que, abdicando do sonho de criar e desenvolver uma empresa, preferem a segurança bem remunerada dos altos cargos públicos e o aroma inebriante do poder. Daqui não vem mal ao mundo, desde que tenham a atitude e a vontade de empreender, ainda que por conta de outrem. Mas o verdadeiro empreendedorismo não se cumpre à mesa dos políticos e sob a capa de um estatuto: cumpre-se, isso sim, no difícil terreno do mercado, onde num ápice tudo se pode ganhar ou perder. É este o jogo que vale a pena jogar, pois dele depende o desenvolvimento do país e até a sua independência num mundo sem fronteiras.
Estou convencido, no entanto, de que a maioria dos nossos empresários, sobretudo das novas gerações, são animados por uma atitude de desafio permanente e uma vontade de auto-superação, traduzidas em dinamismo, criatividade e arrojo suficientes para concretizar uma determinada ideia ou projecto. Tal como os Lobos e como no poema de Sebastião da Gama, “Pelo Sonho é que vamos, / comovidos e mudos. / Chegamos? Não chegamos? / Haja ou não haja frutos, / pelo sonho é que vamos”. Assim deveria ser no desporto, nos negócios e na vida em geral. Até porque, como canta Mafalda Veiga, “há lugares onde só chega quem não tem medo de naufragar”.