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23 de Novembro de 2001 às 15:10

O negócios dos Media na sua maior crise de sempre.

Portugal, o mais frágil mercado a Europa, não tem condições para enviar dezenas de jornalistas para o Afeganistão e em simultâneo pagar milhares de contos às maiores agências internacionais de informação.

Horácio Piriquito, Jornalista

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Os Media em Portugal, na perspectiva do negócio, da rentabilidade e da estratégia, estão a atravessar a sua maior crise de sempre.

E quando chegar o momento de conseguirmos fazer um rescaldo deste ciclo negativo – que não é apenas conjuntural - veremos que nada voltará a ser como dantes.

Muito menos a lógica deste negócio vai evoluir no médio ou no longo prazo da forma como quase todos os accionistas e gestores dos Media pensavam até há pouco mais de um ano atrás. Tentando antecipar essa avaliação penso que são cinco as razões fundamentais desta crise:

- A falta de VISÃO ESTRATÉGICA generalizada no sector e a ausência de sistemas internos que permitam a tomada de decisões correctas;

- A GRANDE CONFUSÃO de ideias que se gerou em redor dos conceitos de crescimento, dimensão e diversificação;

- As consequências da IRRACIONALIDADE da bolha.com onde o sector dos Media acabou por ter uma ponderação bastante elevada;

- O gigantesco DÉFICE de qualidade do MANAGEMENT e de gestores preparados para entenderem toda a cadeia de valor do negócio;

- A deficiente GESTÃO do jornalista como factor de produção e de todos os “inputs” destroçados por aquilo a que podemos chamar de "VÍCIOS DAS REDACÇÕES".

A DESORIENTAÇÃO ESTRATÉGICA

Os Media cresceram "desorientadamente" nos últimos cinco anos numa ausência de visão estratégica em todos os grupos do sector.

Nenhum se preocupou em criar qualquer sistema de informação para a tomada da decisão estratégica, por mais elementar que fosse. Todos cresceram a olhar uns para os outros, copiando-se uns aos outros e sem perceberem para onde caminhavam.

Assim que as economias abrandaram por todo o Mundo o mercado publicitário retraiu-se e os grandes investimentos dos últimos tempos tornaram-se impossíveis de financiar e as estruturas financeiras difíceis de alimentar.

Este cenário de crise despenhou-se sobre um sector que tinha crescido como um castelo de cartas. Porquê? Porque se tomaram decisões minimizando-se informações fundamentais de gestão: as evoluções macroeconómicas e tecnológicas, os aspectos de ordem social e laboral, o perfil e o drive da concorrência ou, até, o próprio enquadramemento legal. Foi quase tudo ignorado.

As receitas quebraram de forma repentina enquanto as estruturas de custos se tinham tornado rígidas e incontornáveis. É o erro histórico que os gestores cometem sempre que gerem ignorando o longo prazo e, em contrapartida, se deixam encantar pela emoção dos indicadores conjunturais e optimistas do curto prazo. Resultado? Os Media estão agora a fazer reduções "desorientadas" de custos.

Encerram-se nichos de negócios que se defendiam como eixos fundamentais para os seus desenvolvimentos estratégicos e reduzem-se os recursos humanos de forma desesperada contrariando-se toda a importância do Capital Intelectual que os discursos definiam como o "sangue" das empresas. Ou seja, o desespero é total!

A CONFUSÃO DE CONCEITOS

Fica também claro que, nos últimos anos, os maiores grupos de Media baralharam um conjunto de conceitos fundamentais: crescimento, desenvolvimento, parceria estratégica, dimensão e diversificação. Que grande confusão!

Durante a segunda metade dos anos 90 todos os accionistas e gestores de Media pensaram, por um lado, que crescimento acelerado e a qualquer preço era sinónimo de sobrevivência. Partiram do princípio de que dimensão era o mesmo que qualidade e eficiência. Foi um longo período em que as fusões, as aquisições ou as parcerias estratégicas se tornaram obcessivas. Agora lambem-se as feridas...

Os Media alimentaram até à exaustão a tese da liderança como objectivo fundamental para os majestáticos grupos empresariais que tinham criado. Estratégia? Crescer, crescer e crescer! Isto levou a que se confundisse crescimento e massa crítica com diversificação e ocupação de todos os nichos de mercado de forma indiscriminada e ineficiente. Os grupos cresceram horizontalmente alargando, confundindo e sobrepondo competências e especializações. Toda a lógica do negócio dos Media passou a ter como objectivo ESTAR EM TODAS, desenvolver TUDO e fazer com que o cross-selling fizesse o resto e permitisse alcançar o que a falta de estratégia ia destroçando.

OS DESTROÇOS DA BOLHA.COM

Os Media ficaram também conotados com a e-euforia e acabaram soterrados e perdidos entre os destroços da bolha.com. Com o estoiro brutal da net-economia, o negócio dos Media perdeu sentido na forma como estava a ser estruturado. E porquê? Porque o negócio da internet foi deficientemente avaliado e mal interpretado durante mais de meia década. E os gestores Media foram os maiores culpados e influenciadores dessa péssima avaliação. A ponderação do negócio dos Media para a net-crise deve ter sido a mais elevada de todos os sectores económicos!

A própria cadeia de valor neste negócio entrou em "delírio" quase total! Porquê? Porque durante a euforia dot.com nunca permitiu uma desagregação do negócio nas suas actividades de maior relevância estratégica. O que seria fundamental para que qualquer gestor compreendesse o comportamento dos custos e a dinâmica das fontes de receita.

Como esse TRABALHO nunca foi feito o negócio dos Media tornou-se numa amálgama de ideias, de capital intensivo mal aplicado e de capital humano mal gerido.

Se prestarmos atenção às notícias que nos chegam dos grupos media, principalmente dos de maior dimensão, reparamos num dado muito importante: os gestores estão a tentar dialogar com as estruturas "doentes" que eles próprios criaram, como se este negócio fosse uma linha industrial de produção de vestuário ou de engarrafamento de refrigerantes! Contam as cabeças a abater para uma qualquer referência imaginária de equilíbrio financeiro e DISPARAM a sangue frio!

Ou seja, despedem a olho. Nem se apercebem que reduzir o peso da folha salarial nos Media não é exactamente a mesma coisa que reduzir mão de obra industrial. Mas actuam em desespero com essa atitude e lógica de raciocínio!

AS FALHAS DO TOP-MANAGEMENT

Os Media necessitam de qualificar e especializar os primeiros níveis de decisão. Os accionistas já entenderam o problema e estão nesta altura a avaliar essa necessidade. Objectivo?

Fazer com que ao nível do top-management se consiga elevar a percepção e o conhecimento do negócio em todas as envolventes. Nenhum gestor por mais qualificado que seja numa lógica generalista consegue liderar um negócio, comandá-lo com "sabedoria", controlá-lo, optimizá-lo ou pensá-lo estrategicamente, se não conhecer o seu "pulsar" e os seus VÍCIOS SECRETOS.

O gestor de Media é hoje em dia um "espécime" inexistente no tecido empresarial português.

Primeiro, porque o negócio Media está a desenvolver-se numa fase nascente e os poucos gestores deste sector "formaram-se" numa lógica industrial, ou seja, no papel e nas gráficas da imprensa.

Outros nem isso: GEREM A OLHO. E quando é assim emerge a insensibilidade e a incompetência. Segundo, porque o sector cresceu, as empresas ganharam dimensão de grupo e o seu comando operacional subiu - erradamente - para o nível mais elevado da pirâmide hierárquica onde predominam naturalmente as preocupações de ordem estratégica e de relacionamento com os accionistas.

Terceiro, porque a classe jornalistica, que em Portugal é maioritariamente de esquerda, não mostra nem vocação, nem ambição, para trocar as redacções pela gestão. Tem de passar a ser natural um jornalista iniciar a carreira como estagiário de redacção e terminá-la como membro do Conselho de Administração. São muito poucos os que têm essas ambições legítimas de carreira. Mas é por esta via que poderá começar a nascer em Portugal uma nova geração de gestores de Media. Os accionistas já se aperceberam disso.

OS VÍCIOS DAS REDACÇÕES

O jornalista profissional é o elemento decisivo de todo este processo. Mas vive ENTRINCHEIRADO na redacção e nos VÍCIOS HISTÓRICOS. Como todas as classes profissionais de referência. Por isso tende a tornar-se num factor perturbador da receita e indisciplinador para a despesa.

É fundamental que o management dos Media ganhe "calo" e "sabedoria" para se credibilizar perante os "vícios" das redacções. O fantástico mundo das redacções aproveita-se da ignorância dos gestores e tende a desperdiçar recursos e a não avaliar vantagens, nem oportunidades.

Querem um exemplo? Portugal sendo um pequeno mercado de imprensa, o mais frágil da Europa, não pode enviar dezenas de profissionais para o Afeganistão! E, em simultâneo, pagar milhares de contos às maiores agências internacionais de informação. Um ENVIADO ESPECIAL tem de ser sempre um investimento e não um custo sem retorno, e tem de ser avaliado como tal. Não pode ser apenas um acto de prestígio ou de vaidade!

Sem gestores conhecedores desses VÍCIOS a rentabilidade nunca será avaliada, nem optimizada. As redacções são o centro nevrálgico do negócio. Por isso é necessário muito cuidado com as "autonomias financeiras" ou as "independências de gestão". Nunca devem estar no floor ou nas pessoas onde os VÍCIOS DAS REDACÇÕES atingem os índices mais elevados!

O accionista muitas vezes não está a pagar o desenvolvimento do seu negócio, nem a melhorar a eficiência! Está a financiar a vaidade e a ambição pessoal dos lideres que nomeia para as redacções. As primas-donnas, os consultores, os opinion-makers e todo esse mundo que rodeia

as redacções, apresentado como valor acrescentado para o negócio – mas que ninguém consegue avaliar -, é feito sempre numa lógica de vaidade e afirmação dos lideres das redacções. Raramente são os interesses da empresa e do produto que são avaliados em primeiro lugar!

Os accionistas estão a aprender por conta própria e a pagar facturas caríssimas para tentarem remendar os destroços deixados pelos líderes e pelos VICÍOS DAS REDACÇÕES!

Horácio Piriquito

Jornalista

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