Opinião
O lodaçal
Dizem os entendidos que regressou o lodaçal, aquele mesmo pântano que levou Guterres a bater com a porta em Dezembro de 2001. E voltam os orçamentos limianos (agora madeirenses). As reformas estão paradas à espera de melhores dias. Na...
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Dizem os entendidos que regressou o lodaçal, aquele mesmo pântano que levou Guterres a bater com a porta em Dezembro de 2001. E voltam os orçamentos limianos (agora madeirenses). As reformas estão paradas à espera de melhores dias. Na educação, na saúde e na justiça volta-se a discutir a tudo. As famosas marcas da mudança, tendo mudado bem pouco, são agora deitadas para o caixote do lixo. E a célebre e auto-elogiada consolidação orçamental desapareceu como uma bruma (excepto para o líder do grupo parlamentar socialista). Na passagem do ano, muitos analistas e comentadores não esqueceram a década perdida (curiosamente alguns desses fazedores de opinião diziam até recentemente que quem falava da década perdida eram os Velhos do Restelo e as Cassandras).
Entre Outubro de 1999 e Outubro de 2009, a década definitivamente perdida, tivemos governos com maioria absoluta em mais de sete anos e meio, e nos restantes dois anos e pouco, o governo Guterres tinha exactamente metade dos deputados. Portanto o argumento da governabilidade, da necessidade de uma maioria absoluta, de estabilidade política com o qual somos confrontados cada dia na nossa comunicação social carece de aplicabilidade. A década perdida fez-se em larga medida com governos que tinham maiorias sólidas. Na verdade, a actual situação de uma minoria relativa tão débil não acontecia desde 1987.
O lodaçal ou o pântano em que nos encontramos tem muito pouco que ver com a falta de uma maioria parlamentar. Essa desculpa que muitos querem acreditar pretende apenas esconder o problema mais estrutural que Portugal tem pela frente. Simplesmente o modelo das políticas públicas das últimas duas décadas está esgotado.
Todos concordamos que Portugal precisa de reformas profundas e estruturais. Acontece que uns acham que essas reformas devem orientar-se para uma verdadeira economia de mercado, alterando radicalmente o papel, as funções e o desempenho do Estado. Outros acham que as reformas que precisamos devem aumentar o desempenho económico do Estado. Em resumo, uns acham que temos que virar à direita (tipo Compromisso Portugal), outros entendem que devemos virar claramente à esquerda (BE e PCP). Em ambos os casos, as reformas têm custos importantes e obviamente vão reduzir o bem-estar de alguns (ainda que diferentes) grupos sociais.
O PS ganhou a sua maioria absoluta em 2005 dizendo que era possível colocar Portugal a crescer com umas reformas que combinavam o melhor da economia de mercado com as preocupações sociais, sem grande dor e sem grandes custos para a classe média. Sem viragem à esquerda ou à direita, a resposta eram as reformas moderadas, ao centro. O fracasso de José Sócrates, e das suas reformas sem resultados ao final de mais de quatro anos de governo com uma maioria absoluta, é o fracasso dessa utopia de que podemos resolver o problemas do país com pragmatismo, centrismo e sem viragens à esquerda ou à direita, sem polarizar as políticas públicas.
Essa mesma utopia era já a verdadeira origem do pântano guterrista, e é agora o lodaçal em que estamos metidos. Curiosamente, ao encarnar a ilusão das reformas pragmáticas, centristas, modernas, sem grandes batalhas ideológicas, e com custos mínimos, o PS dilacerou profundamente o PSD. Porque essa mesma farsa noutros tempos foi conhecida em Portugal como cavaquismo, a tal esquerda moderna, liberal e pragmática como então o PSD se apresentava. Podemos mesmo dizer que o fracasso de José Sócrates fecha o ciclo iniciado com o cavaquismo. O modelo político seguido desde a nossa adesão à União Europeia está totalmente esgotado e obviamente não responde aos problemas que os portugueses enfrentam.
Enquanto a utopia e a ilusão das reformas pragmáticas, centristas, modernas, sem grandes batalhas ideológicas, e com custos mínimos não for ultrapassada, o lodaçal vai continuar, o empobrecimento relativo de Portugal vai prosseguir, e certamente em 2020 falaremos da segunda década perdida! Para sair desta situação tanto o PS como o PSD têm que mudar muito. O medo da polarização ideológica nas políticas públicas tem que acabar. Os dogmas do bloco central têm que ser eliminados. O PCP e o BE não podem continuar acantonados, precisamos de uma "esquerda plural." E a direita tem que ser direita. Veremos se conseguem!
Professor de Direito da University of Illinois
nuno.garoupa@gmail.com
Assina esta coluna quinzenalmente à quinta-feira
Entre Outubro de 1999 e Outubro de 2009, a década definitivamente perdida, tivemos governos com maioria absoluta em mais de sete anos e meio, e nos restantes dois anos e pouco, o governo Guterres tinha exactamente metade dos deputados. Portanto o argumento da governabilidade, da necessidade de uma maioria absoluta, de estabilidade política com o qual somos confrontados cada dia na nossa comunicação social carece de aplicabilidade. A década perdida fez-se em larga medida com governos que tinham maiorias sólidas. Na verdade, a actual situação de uma minoria relativa tão débil não acontecia desde 1987.
Todos concordamos que Portugal precisa de reformas profundas e estruturais. Acontece que uns acham que essas reformas devem orientar-se para uma verdadeira economia de mercado, alterando radicalmente o papel, as funções e o desempenho do Estado. Outros acham que as reformas que precisamos devem aumentar o desempenho económico do Estado. Em resumo, uns acham que temos que virar à direita (tipo Compromisso Portugal), outros entendem que devemos virar claramente à esquerda (BE e PCP). Em ambos os casos, as reformas têm custos importantes e obviamente vão reduzir o bem-estar de alguns (ainda que diferentes) grupos sociais.
O PS ganhou a sua maioria absoluta em 2005 dizendo que era possível colocar Portugal a crescer com umas reformas que combinavam o melhor da economia de mercado com as preocupações sociais, sem grande dor e sem grandes custos para a classe média. Sem viragem à esquerda ou à direita, a resposta eram as reformas moderadas, ao centro. O fracasso de José Sócrates, e das suas reformas sem resultados ao final de mais de quatro anos de governo com uma maioria absoluta, é o fracasso dessa utopia de que podemos resolver o problemas do país com pragmatismo, centrismo e sem viragens à esquerda ou à direita, sem polarizar as políticas públicas.
Essa mesma utopia era já a verdadeira origem do pântano guterrista, e é agora o lodaçal em que estamos metidos. Curiosamente, ao encarnar a ilusão das reformas pragmáticas, centristas, modernas, sem grandes batalhas ideológicas, e com custos mínimos, o PS dilacerou profundamente o PSD. Porque essa mesma farsa noutros tempos foi conhecida em Portugal como cavaquismo, a tal esquerda moderna, liberal e pragmática como então o PSD se apresentava. Podemos mesmo dizer que o fracasso de José Sócrates fecha o ciclo iniciado com o cavaquismo. O modelo político seguido desde a nossa adesão à União Europeia está totalmente esgotado e obviamente não responde aos problemas que os portugueses enfrentam.
Enquanto a utopia e a ilusão das reformas pragmáticas, centristas, modernas, sem grandes batalhas ideológicas, e com custos mínimos não for ultrapassada, o lodaçal vai continuar, o empobrecimento relativo de Portugal vai prosseguir, e certamente em 2020 falaremos da segunda década perdida! Para sair desta situação tanto o PS como o PSD têm que mudar muito. O medo da polarização ideológica nas políticas públicas tem que acabar. Os dogmas do bloco central têm que ser eliminados. O PCP e o BE não podem continuar acantonados, precisamos de uma "esquerda plural." E a direita tem que ser direita. Veremos se conseguem!
Professor de Direito da University of Illinois
nuno.garoupa@gmail.com
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