Opinião
O hamburger das ideias
O comissário europeu da Saúde, Markus Kyprianou, ameaça proibir a publicidade à "fast food" para combater a obesidade infantil. Saberá ele que a Escola NÚMERO 1 de Oeiras não é capaz de oferecer aulas de educação física às suas crianças?
Por falta de espaço, os filhos desse que é um dos concelhos mais ricos de Portugal não podem sequer aproveitar o intervalo para jogar futebol na sua Escola NÚMERO 1 (a cada partida o que se partia era o vidro de alguma janela) e inventaram um tal "Futebol Humano", de cujas regras pouco mais consegui entender do que a dispensa do uso de bolas.
O "Futebol Humano" da Escola NÚMERO 1 de Oeiras é a expressão desportiva da penúria escolar deste país europeu – especificamente, no que se refere à educação física. E é aqui que se pensa em combater a obesidade infantil através da proibição da publicidade à "fast food"? Oh, é maior a distância entre Bruxelas e Oeiras do que os milhares (por mais que sejam) de quilómetros entre este lindo concelho e aquela magnífica cidade.
Adepto convicto, praticante quotidiano e propagandista empenhado da "very-very-slow-food", sinto-me plenamente autorizado a rir da ideia de que a restricção à publicidade à "fast-food" possa ter efeitos visíveis num país em cujas escolas as crianças simplesmente não têm espaço para praticar desportos – muito menos quem os oriente nessa prática. A publicidade será uma das poucas coisas através das quais a "fast-food" faz bem à saúde (empregos e investimentos fazem bem à saúde) dos portugueses. Mais serão os filhos de publicitários, produtores, camera-men, operadores de som, etc, a fazer natação em ginásios (porque a escola não a oferece) com o dinheiro ganho em campanhas para a MCDonald’s do que os obesos gerados pelas mesmas campanhas. Porque não são as campanhas que geram os obesos. São as campanhas e a falta de opções e os hábitos sedentários (leia-se Televisão, computador e video-game) e a ausência de espaço para o desporto e a inexistência de educação-física nas escolas e a falta de intervenção dos pais e a falta de auto-estima dos filhos e um gordo, gordíssimo, redondo etc...
A obesidade infantil é seguramente o mais complexo dos problemas de saúde enfrentados pela parte rica, remediada ou pobre-mas-não-miserável do mundo neste princípio de século. E não uso "complexo" como quem quer uma palavra mais aparatosa para "complicado". É complexo mesmo, porque feito de uma quantidade enorme de factores, que vão dos meramente nutricionais aos comportamentais, passando (com efeitos decisivos) pelos genéticos, psicológicos, afectivos, emocionais, familiares e... eis que me aparece outra vez um obeso, enorme e redondo etc. E mais complexo se torna o problema quando se encara a obesidade infantil não apenas como doença em si mesma (que é) mas como sintoma de outras e mais graves doenças (tanto físicas quanto psíquicas e sociais).
A proibição de publicidade à "fast-food" cheira – tresanda, mesmo – a simplismo... ou a BigMac. Na verdade, trata-se de mais um produto da BruXles, a famosa rede de "fast-thinking", o hamburger das ideias.
PS: Proibir a publicidade à "fast-food" na UE equivale a proibir a publicidade ao estacionamento em cima dos passeios em Oeiras.