Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

O fim do neoliberalismo virou crise profunda do centro-esquerda

Anda por aí uma conversa sobre o fracasso das sondagens. Parece que exigem que as empresas que fazem as sondagens assumam uma responsabilidade política pelos seus erros, querem regular a produção de sondagens, dizem que, dada a influência das sondagens na vida política, é inaceitável que errem desta forma tão absurda.

  • 1
  • ...
Anda por aí uma conversa sobre o fracasso das sondagens. Parece que exigem que as empresas que fazem as sondagens assumam uma responsabilidade política pelos seus erros, querem regular a produção de sondagens, dizem que, dada a influência das sondagens na vida política, é inaceitável que errem desta forma tão absurda.

Mas ninguém parece exigir idênticas responsabilidades aos muitos comentadores, analistas, especialistas e jornalistas que andaram a prometer o fim do neoliberalismo quando todos os indicadores objectivos apontavam para uma realidade bem diferente, uma crise profunda do centro-esquerda na Europa, que agora já não podem ocultar. Alguns lamentaram esta realidade com as habituais generalidades e banalidades do tipo "perdeu a Europa, perdemos todos". Outros, quiçá a maioria, continuam com a mesma conversa como se o 7 de Junho nunca tivesse acontecido.

Andaram meses a dizer que a crise internacional representava o fim do neoliberalismo, a falência da ideologia do mercado, uma nova época de social-democracia, o regresso do socialismo. Colunas de opinião, tertúlias, entrevistas, debates. Quem dizia o contrário andava cego ou era demagogo. A realidade do fim do neoliberalismo e a crise da direita não admitia discussão. Ainda no mês passado o editorial do "Diário de Notícias", após a vitória da esquerda na Islândia, dizia que em tempos de crise económica profunda é a esquerda que ganha, desfavorecendo a direita. Uma nova era da esquerda social chegava. Mas eis que no dia 7 de Junho a Europa mudou. "La derecha gana terreno en Europa" ("El País"), "European voters punish left" (BBC), "Vague blueu en Europe" ("Le Monde"), "Descalabro de los socialistas en Europa" ("El Mundo"), "EU voters take a turn to the right" ("Guardian"), "La droite se renforce au Parlement européen" ("Le Figaro"), "El centro-derecho barre en Europa" (ABC).

A verdadeira e única crise é da social-democracia e do socialismo democrático, não da direita. No governo, como em Portugal, Espanha, Alemanha ou Reino Unido, ou na oposição, como em França, Itália ou Holanda, sofreram uma hecatombe eleitoral, em quase todos os casos histórica. Todo o centro-esquerda, terceira via, esquerda plural ou socialismo de verdade levou uma varridela. Perderam votos para a esquerda radical, mas perderam muito mais terreno eleitoral para a direita e para a extrema-direita. A derrota eleitoral é tanto mais profunda quando os resultados de 2004 foram já então uma derrota inesperada (que a esquerda bem pensante desculpabilizou na altura com o alargamento do centro-direita à direita extrema da Europa de Leste).

A derrocada do centro-esquerda só surpreendeu quem anda distraído. Confirma aquilo que escrevi em Março último. A direita europeia foi rápida em abandonar o neoliberalismo do qual nunca foi grande apoiante, e voltou às suas origens gaullistas do grande Estado corporativo, conservador e intervencionista na economia, ou da economia social de mercado alemã de Adenauer. Ao contrário do que alguns dizem, a direita não passou a ser keynesiana. A direita europeia sempre foi keynesiana. O aparente êxito das políticas da senhora Thatcher, nos anos 80, acabou por forçar a direita a abandonar os seus velhos credos, muito a contragosto em França ou na Alemanha. A matriz gaullista francesa ou da economia social de mercado alemã, que muitos pensavam enterrada pelo neoliberalismo anglo-saxónico, ressuscitou, e a tempo para ganhar eleições.

O eleitorado moderado e centrista europeu parece mais atraído pelo regresso desta velha direita europeia do que pelos ziguezagues do centro-esquerda. Neste momento, o centro-esquerda não representa nada de novo. A sua matriz original está ocupada por novas forças políticas à sua esquerda (esquerda radical, ecologismo, outros partidos de protesto). Por outro lado, a direita regressou ao gaullismo e à economia social de mercado. O centro--esquerda, sem saber bem para que lado se virar, acabou ironicamente como o herdeiro legítimo do neoliberalismo. Pagou a factura nas urnas.

A crise aberta na social-democracia europeia não vai ser fácil de resolver. É a segunda crise profunda numa geração. A primeira crise, após o fim do bloco soviético e o auge das políticas de privatização e liberalização, deu lugar à terceira via no Reino Unido ou à esquerda plural em França. Quinze anos depois chega a segunda crise, ainda mais profunda. Bem pode dizer-se que o centro-esquerda anda de crise em crise, de refundação em refundação. Agora até o Partido Socialista francês fala em mudar de nome. Temo que desta vez não vai ser fácil encontrar a quarta via!

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio