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16 de Agosto de 2007 às 12:38

O fim da cooperação estratégica

Quando o tema é fisco, os portugueses não primam pela racionalidade. A demonstração dessa falta de racionalidade é que, apesar da indignação geral com o nível de evasão fiscal, quando são propostas medidas para corrigir a situação - chamem-se elas colecta

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Quando o tema é fisco, os portugueses não primam pela racionalidade. A demonstração dessa falta de racionalidade é que, apesar da indignação geral com o nível de evasão fiscal, quando são propostas medidas para corrigir a situação - chamem-se elas colecta mínima, pagamento especial por conta ou levantamento do sigilo bancário - também dão origem a grandes movimentos de contestação.

Esta dicotomia vem a propósito da decisão do Tribunal Constitucional de declarar a inconstitucionalidade de uma disposição do pacote legislativo que pretendia alterar as regras do sigilo bancário, que levará ao chumbo da lei pelo Presidente da República e ao seu regresso ao Parlamento.

A inconstitucionalidade detectada pelos juízes centra-se num único ponto: a possibilidade de levantamento automático do sigilo bancário a contribuintes que reclamem ou impugnem uma decisão da administração fiscal. Uma possibilidade que segundo o Tribunal, a ser aplicada, coarctaria o direito de defesa do cidadão.

A correcção da situação de laxismo fiscal não pode ser feita às custas dos direitos de defesa do cidadão contribuinte. É verdade que, nos últimos anos, a administração fiscal redobrou em eficiência, com a utilização de meios informáticos e o reforço da inspecção, e em consequência a receita fiscal tem aumentado. Mas essa actuação tem gerado nos contribuintes uma sensação de asfixia e de revolta face à largura da malha que ainda deixa muita gente de fora. A sensação geral é a de que o pau está a cair com redobrada dureza sobre as costas dos mesmos.

É aqui que entra também a questão do sigilo bancário, cuja interpretação restritiva em Portugal só se explica pela peculiar situação vivida pelo país depois da Revolução dos Cravos. Só assim se compreende o temor com as fugas de capitais sempre que se fala em levantamento do sigilo bancário, um receio sem grande sentido, à luz da actual mobilidade de fluxos financeiros.

Em rigor, a administração fiscal pode, desde 2001, solicitar o acesso às contas bancárias num conjunto definido de situações. Mas, se se quer combater a evasão e a fraude fiscal, impõe-se um quadro mais geral de levantamento do sigilo bancário, como têm defendido os partidos mais à esquerda, PCP e BE, e também o PS e o PSD, desde que estejam na oposição. No debate da lei agora vetada, o PSD assumiu estar disponível para participar nessa discussão. Está na hora de o fazer e de se bater pela definição de um quadro legal que facilite a acção da administração fiscal mas proteja o cidadão-contribuinte de invasões arbitrárias do Estado.

Um último comentário a propósito da relação entre o Presidente da República e o Executivo. Depois de uma fase em que vingou sobretudo a "cooperação estratégica", Cavaco Silva tem dado evidentes sinais de descolagem de José Sócrates. No espaço de um mês, já chumbou o Estatuto dos Jornalistas e viu confirmadas pelos juízes do Tribunal Constitucional as dúvidas que teve sobre outros dois, além de declarações avulsas mas cirúrgicas sobre casos polémicos, como fez recentemente a propósito do afastamento de Dalila Rodrigues do Museu de Arte Antiga.

Com o PSD enredado consigo próprio, parece que Cavaco , à falta de verdadeira oposição ao Governo, quer levar mais longe o seu papel no sistema de pesos e contrapesos. Mesmo que o conteúdo das decisões seja facilmente corrigido pelo Governo, fica a forma. Que é o que marca em política.

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