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08 de Agosto de 2008 às 13:05

O poder do Norte

Houve um tempo, nem muito longínquo nem muito próximo, em que o Norte foi decisivo para o país. Quando concentrou o que restava da iniciativa privada em Portugal e a sua indústria ligeira foi fundamental para arrecadar divisas, tornou-se importante em termos económicos, e, por consequência, em termos políticos.

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Houve um tempo, nem muito longínquo nem muito próximo, em que o Norte foi decisivo para o país. Quando concentrou o que restava da iniciativa privada em Portugal e a sua indústria ligeira foi fundamental para arrecadar divisas, tornou-se importante em termos económicos, e, por consequência, em termos políticos.

O processo que se seguiu está devidamente identificado. O modelo de privatizações não favoreceu a criação de grupos empresariais fortes entre o tecido industrial nortenho. A concentração do sistema financeiro em Lisboa e uma estrutura política e administrativa excessivamente centralizada encarregaram-se de fazer o resto.

Apesar do esgotamento do modelo apoiado na mão-de-obra barata em sectores de baixa intensidade tecnológica, que beneficiaram do acesso a mercados protegidos antes do fim do Acordo Multifibras e da entrada da China na OMC, o Norte não se preparou para o embate inevitável.

Hoje, e apesar do excelente trabalho que algumas empresas dos sectores tradicionais continuam a fazer, que lhes permite manterem-se competitivas e reconquistarem mercados, e das experiências de sucesso em novos sectores, a que contudo ainda falta massa crítica, o Norte é a região mais deprimida de um Portugal deprimido.

É neste quadro que vale a pena olhar para o debate em torno do aeroporto Francisco Sá Carneiro. Que Mário Lino não quer alterar o modelo de privatização da ANA, que prevê a venda em bloco da gestora dos aeroportos ao consórcio que assumir o encargo de construção de Alcochete já se percebeu. Esse é o modelo que mais interessa à tecnoestrutura da ANA.

Mas desde que Lino foi o porta-voz da oposição do Governo à mudança de localização da Ota, que ninguém sabe exactamente o que vale a sua palavra - ainda que neste caso se tenha resguardado, deixando aos técnicos o papel de desfazer a proposta apresentada pelo consórcio da Sonae e da Soares da Costa à concessão do aeroporto do Porto.

Algumas críticas ao projecto da Sonae/Soares da Costa podem fazer sentido e a questão do preço é uma delas. Outras, como a que lhe aponta o facto de envolver interesses internacionais, por pretender associar ao consórcio um operador internacional de gestão aeroportuária, são táctica de guerrilha. A menos que exista em Portugal, além da ANA, mais algum parceiro com "know how" no sector.

Mais do que técnica a questão é política. É saber se interessa ao País e ao Norte que a privatização da ANA se traduza na substituição de um monopólio público por um monopólio privado, cuja primeira prioridade é a rentabilização do investimento no novo aeroporto. E se esse tipo de modelo promove uma gestão mais competitiva das restantes infraestruturas. Isto quando ainda está fresca na memória a incapacidade da ANA de atrair para o Porto o novo centro logístico da Ryanair.

Do ponto de vista do Norte, a questão é ainda mais crítica. Não que o aeroporto venha resolver os problemas da região. Mas é um sinal político que as suas elites, que ainda resistem a um modelo de desenvolvimento cada vez mais centralista, apesar das boas intenções de um discurso a favor da descentralização, não deixarão de interpretar.

Se deixar a Sonae sem resposta, José Sócrates dará um tiro no pé de Elisa Ferreira, a futura candidata do PS à Câmara do Porto, num momento em que até Rui Rio começa a demonstrar impaciência e ameaça mudar de campo no debate da regionalização.



PS - Este é o meu último editorial no Jornal de Negócios. Porque foram mais de cinco anos em comunicação com os leitores, não podia deixar de registar o momento. Para agradecer a confiança que depositaram e vão continuar a depositar neste nosso/vosso jornal.

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