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Opinião
25 de Maio de 2005 às 13:59

O défice não está no orçamento

Este défice é apenas o resultado da incapacidade política permanente de resolver a questão das Finanças Públicas, que aliás já vem dos séculos passados. O défice de elites, também políticas, é que mata este País.

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Não há grande surpresa nos números relativos ao défice, divulgados na segunda-feira pela comissão Constâncio. Não há, aliás, surpresa em coisa nenhuma relativa a este processo - é tudo um «remake» do que Durão Barroso fez, quando tomou posse como primeiro-ministro. Continuamos a viver na lógica simplista de que «atenção! o Governo vai ter de apertar o cinto, mas reparem que a culpa é dos anteriores...». Claro que é importante apurar o verdadeiro estado das contas públicas portuguesas, mas seremos provavelmente o único país comunitário que já fez disso uma tradição pós-eleitoral. Imagino até que na generalidade das economias europeias haja muito défice escondido debaixo do tapete. Só que, por algum motivo masoquista, os portugueses serão os únicos que insistem numa transparência absurda e auto-mortificante nesta questão. Por motivos de interesse nacional, quer dizer de acesso aos fundos comunitários, seria muito mais prudente deixar de publicitar o nosso défice e começar a tratar do problema como ele merece. Isto é, à séria.

O problema do défice orçamental resume-se a uma coisa verdadeiramente simples: reduzir a despesa pública. Como é sabido, os portugueses são genericamente uns remediados e a suas empresas estão descapitalizadas. Tirar mais dinheiro ao bolso das famílias significa empobrecer ainda mais quem já é dos mais pobres da Europa. E sacar mais às empresas é basicamente uma questão de competitividade económica. Aumentos de IVA, IRS ou IRC são apenas uma forma eficiente de travar o investimento privado, o crescimento económico, a criação de emprego e o consumo privado. Nada de muito entusiasmante ou certeiro para quem pugna por um desenvolvimento sustentado da economia portuguesa, com uma justa distribuição do rendimento entre quem trabalha e entre quem investe. Claro que algumas questões de arrecadação fiscal também se resolveriam se o fisco andasse mais em cima de quem não paga impostos e se o património fosse devidamente taxado. Mas o verdadeiro problema das finanças públicas continua, e sempre, do lado da despesa.

O Estado tem de gastar (muito) menos e melhorar a prestação dos seus serviços públicos. Isto faz-se com melhor gestão nos serviços da função pública, do sistema de Saúde e, infelizmente, um reequacionamento dos «benefícios» distribuídos pela Segurança Social e especialmente aos pensionistas do Estado. Mas a prioridade da acção governativa deve estar mesmo focada numa intervenção profunda nos modelos de gestão das escolas, das faculdades, dos hospitais, dos tribunais e da administração pública para que se consigam melhores resultados com menores recursos financeiros. É basicamente uma questão de melhores métodos de gestão, aplicados ao serviço do Estado. É uma questão imperativa, que vai mexer com muitos interesses instalados nas respectivas «capelinhas».

Acontece que nenhum governo, por mais maioritário ou forte que seja, consegue mexer na administração pública com pulso se não estiver resguardado por uma ampla maioria social, política e corporativa que transcenda os interesses de cada um dos «lobbies» em questão. Conforme já tive oportunidade de aqui escrever, é urgente que os partidos, as associações patronais e as uniões sindicais se sentem a uma mesa e acordem num projecto de intervenção económica e social para Portugal, que trace objectivos a médio e longo-prazo e políticas concretas e adequadas. Isto do défice não se resolve com o PS contra o PSD, o PSD contra o PS, o CDS a dizer que é preciso descer impostos e o PCP e o BE a berrarem que os ricos que paguem a crise. Na verdade, a crise é tão estrutural e de difícil resolução que exige um esforço acima da habitual «politique» a que este País se habituou. Na verdade, o problema orçamental que agora os portugueses vão pagar é resultado da deficiente gestão da coisa pública, responsabilidade de uma série de sucessivos governos do PSD e do PS. Foram os políticos, a sua incompetência e a sua falta de sentido de Estado que criaram e permitiram o caos financeiro em que agora estamos atolados. E é previsível que agora, durante os próximos dias, continuemos a assistir a uma série de intervenções de índole partidária que só vão demonstrar esta tese. O problema de Portugal, e dos portugueses, não é apenas o défice orçamental. Este défice é apenas o resultado da incapacidade política permanente de resolver a questão das Finanças Públicas, que aliás já vem dos séculos passados. O problema de Portugal é uma classe política incompetente e sem capacidade para resolver o problema. Este défice de elites, também políticas, é que mata o País. Por isso, é vital que a sociedade civil se envolva seriamente na resolução desta questão. E que seja ela - que é quem mais sofre com esta espiral de subida de impostos / descida de benefícios sociais - a manifestar perante o poder político a sua vontade para que, desta vez, as coisas sejam resolvidas de uma vez por todas.

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