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08 de Novembro de 2005 às 13:59

O CV do gestor

Quando João Tallone foi convidado para reestruturar o sector energético e a seguir para dirigir a EDP, quando Manuel Ferreira de Oliveira foi dirigir a UNICER, não se conheciam no currículo de ambos contactos de maior com os sectores em se iam inserir.

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Toda a polémica que se gerou à volta de algumas nomeações feitas pelo actual Governo para cargos de administração em algumas empresas, de que porventura os casos de Fernando Gomes (GALP) e Armando Vara (CGD) terão sido os mais emblemáticos, suscita-me verdadeiros arrepios. Não pelo eventual síndroma de clientelismo político que porventura lhes esteja associado, mas sim pela natureza de muitos dos argumentos que tantos comentadores apontaram para justamente os classificar enquanto tal.

No caso de Fernando Gomes, por exemplo, o argumento central e factualmente real era o do seu desconhecimento das áreas de negócio da GALP. O argumento é arrepiante, para quem como eu ensina numa escola de gestão, porque manifestamente contraria algumas ideias centrais que com perseverança mas nem sempre com inteiro sucesso procuramos, ano após ano, transmitir aos nossos alunos.

Ao nível de administração de uma empresa, dever-se-á valorizar as competências de visão estratégica e liderança (essenciais no CEO), de capacidades de domínio funcional, (essenciais na assunção de alguns pelouros - fincas, recursos humanos, etc.) de conhecimento do negócio e da organização (importante, no primeiro caso, para a imersão concreta na realidade envolvente e, no segundo caso, para um interface coerente com a cultura da empresa, mesmo que com a objectivo de a mudar). E se a administração deve ter todas estas características, não é o mesmo dizer-se que todos os administradores também as devem ter.

Tomemos o caso do CEO. E comecemos, ilustrando, com dois exemplos conhecidos. Quando João Tallone foi convidado para reestruturar o sector energético e a seguir para dirigir a EDP, quando Manuel Ferreira de Oliveira foi dirigir a UNICER, não se conheciam no currículo de ambos contactos de maior com os sectores em se iam inserir e, também não se leu qualquer comentário público de surpresa por essa aparente falha curricular. E os seus excelentes desempenhos, amplamente reconhecidos, também não terão sofrido com tal falha. Porque certamente dispunham de capacidades de visão estratégica, de qualidades de liderança e de uma experiência diversificada de direcção de empresas com complexidade organizacional e em sectores competitivos que lhes terá dado conhecimento e competências provavelmente mais importantes de que aquelas que decorreriam de uma longa vivência do sector, e que certamente asseguraram ter nas equipas que constituíram para dirigir as respectivas empresas.

Tome-se agora o caso de um administrador da área de recursos humanos numa grande organização. A sua maior vantagem curricular, não estará nas experiências de direcção de empresas ou entidades com estruturas organizacionais, processos de comunicação, pirâmides hierárquicas complexas e bem menos num eventual maior conhecimento do sector em que vai operar? E um administrador da área de sistemas de informação não merecerá uma nota similar?

A diversificação de experiências, a capacidade para apreender rapidamente novas realidades, a adaptação proactiva a uma dinâmica de mudança, a curva de aprendizagem que se potencia pela capacidade de absorver e adaptar as experiências passadas a novas envolventes são elementos essenciais no que procuramos transmitir aos nossos alunos sobre desenvolvimento de carreiras profissionais, e que contrastam com a pobreza e superficialidade de tantos comentários sobre a uma escolha tão decisiva para qualquer organização como é a das pessoas que a vão dirigir. E, infelizmente, é também confrangedor verificar a generalizada ausência de uma análise curricular séria de cada um, que muito mais do que um mero registo do que se foi, deveria centrar-se na qualidade e no resultado do que se fez e nas realidades complexas com que se lidou. E assim se vai balizando, alegremente, o que é ser-se gestor em Portugal.

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