Opinião
O Contrato Primeiro Emprego ou a falta de consenso social
A semana que findou foi rica em acontecimentos de natureza laboral, quer no espaço europeu, quer em Portugal.
De facto, numa semana em que, em Portugal se publicava a Lei nº 9/2006, de 20 de Março, que altera parcialmente o texto do Código do Trabalho, o «não à precariedade» foi o slogan mais ouvido nas ruas de Paris e a temática do Modelo Social Europeu, uma dos assuntos abordados na Cimeira Europeia da Primavera.
Começo por Portugal. A lei de revisão do Código do Trabalho (CT) e da Lei de Regulamentação do CT foi publicada em Diário da República em 20 de Março último. Esta revisão – não obstante alterar em parte o disposto no artigo 12º do CT (relativo à presunção de contrato individual de trabalho) – contempla as disposições respeitantes à contratação colectiva e tem como intuito a valorização desta área laboral. A experiência no âmbito da contratação colectiva tem vindo a demonstrar que esta constitui um excelente instrumento de desenvolvimento de um sistema de relações laborais promotor quer de equidade social no trabalho, quer do desenvolvimento sustentável da competitividade empresarial.
Contudo, foram os acontecimentos vividos em França os que mais relevo mediático assumiram junto da comunicação social portuguesa.
Como é conhecido em França vive-se um período de crise social que se deve, em muito, ao elevado nível de desemprego que nos últimos dois anos tem oscilado entre os 9,5% e os 10% (por exemplo, em Janeiro deste ano, a taxa de desemprego era de 9,6%). Mas para além dos números, uma novidade parece emergir. Não obstante o crescimento económico registado em alguns sectores, persiste uma enorme dificuldade em criar emprego. E, de facto, muitos sectores da economia francesa que ao longo da década de 1990 procuraram resistir à tentação da deslocalização fazem-no agora para os países emergentes, sendo este um tipo de opção empresarial que se tem repercutido no aumento do desemprego.
Ciente de que o mercado de trabalho não é o único regulador e de que as políticas publicas de emprego desempenham ainda um papel importante no que respeita ao controlo do desemprego – podendo impedir o seu aumento – Dominique de Villepin lançou uma nova e controversa figura jurídico-laboral: o Contrato Primeiro Emprego (CPE).
Trata-se de um contrato de trabalho de duração indeterminada (sem termo) dirigido especialmente à contratação de jovens com idade inferior a 26 anos e às empresas que empreguem mais de 20 trabalhadores. Até aqui nada de extraordinário. A controvérsia surge a propósito dum aspecto em particular que condiciona o regime jurídico da figura: o seu período experimental. O diploma do CPE prevê a existência de um período experimental que pode ter a duração de dois anos – previsão também já contemplada noutra figura afim, o Contrat Nouvelle Embauche, aplicado às microempresas – e, ao longo do qual, o empregador pode denunciar o contrato sem justa causa, ou seja, sem ter que fundamentar a cessação.
O argumento que suporta este novo contrato de trabalho especial – aprovado sob forma de lei em 10 de Março no parlamento francês – assenta na ideia de que o desemprego em França - sobretudo entre os mais jovens – aumenta porque a estrutura jurídico-laboral francesa é «rígida». E, a par do governo, a generalidade das associações de empregadores – UIMM, CGPME, UPA e Medef – mostram-se favoráveis ao CPE, defendendo que este diminui a rigidez do mercado de trabalho e aumenta o emprego, tornando o mercado de trabalho «mais competitivo».
Mas esta ideia não parece colher na opinião pública. Segundo uma sondagem CSA-Le Parisien, publicada na última semana, 68% dos franceses mostram-se contrários ao regime do CPE. Para os opositores ao CPE, o argumento da rigidez do mercado não procede uma vez que já mais de 70% dos jovens franceses são contratados através de contratos de trabalho de duração determinada (a termo) e muitos destes contratos não são renovados. Além do mais, alguns grupos de estudantes e sindicatos opositores defendem que o CPE visa sobretudo criar mais precariedade, limitando-se a propor a transferência de risco inerente à actividade empresarial para os trabalhadores, ao invés de estabilizar o emprego. É assim que o CPE está a ser vivamente contestado pelos movimentos de esquerda, pela quase totalidade das confederações sindicais (CGT, CFDT, FO, CFTC, FSU e Unsa) e pelos estudantes (na semana passada 57 das 84 universidades francesas foram encerradas).
Seguindo-se às manifestações de Fevereiro e de 7 de Março, as duas últimas semanas foram, em particular, pródigas em protestos que, ao que parece, continuarão nos próximos tempos. Num país onde não há uma lei de serviços mínimos, os sindicatos ameaçaram já com a realização de greves nos transportes públicos e, em particular, com uma greve geral no próximo dia 28 de Março. O mal-estar é tal que até o nº 2 do governo francês, Nicolas Sarkozy, já fez questão de se demarcar de Villepin. Só que, a um ano das eleições presidenciais – e se somarmos estas reivindicações aos conflitos das «banlieues» de Outubro e Novembro últimos e ao «não» à Constituição Europeia de 29 de Maio de 2005 – este CPE pode trazer fortes sequelas ao actual governo francês.
Por fim, uma curta referência à Cimeira Europeia da Primavera. A convite da presidência austríaca da União Europeia, José Sócrates proferiu uma intervenção onde – procurando os alertar os líderes europeus para o progressivo afastamento dos objectivos consignados na Estratégia de Lisboa – enfatizou a questão do emprego na construção do projecto europeu e a centralidade das políticas sociais no âmbito da estratégia de crescimento económico.
Sem dúvida que, no que respeita à área laboral, o momento actual é particularmente desafiante quer para Portugal, quer para a denominada Construção Europeia, exigindo mais do que nunca – a par das respostas para a competitividade – a procura de amplos consensos sociais.