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16 de Março de 2001 às 11:31

«O atraso português nas TMTs - Parte III»

Em Portugal nunca existiu vontade de dinamizar um conjunto de iniciativas que permitissem acelerar o processo de I&D e a reforma das instituições não foi ainda efectuada.

Francisco Banha, Director Geral da Gesventure

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Apesar das performances macro-económicas do nosso país, constata-se igualmente neste período que a reforma das instituições (Estado, Justiça e Competitividade das empresas) não foi ainda efectuada, assim como nunca existiu vontade de dinamizar um conjunto de iniciativas que permitissem acelerar o processo de investigação científica e do desenvolvimento tecnológico (I&D), de forma pragmática, por parte dos poderes públicos e das forças económicas e sociais, que de alguma forma contribuísse para a diminuição do “ Gap” que possuímos relativamente aos citados países europeus.

Naturalmente que para tal ineficiência contribuíram muitos factores, mas estou convencido

de que os principais podem ser identificados tendo por base os seguintes factos:

  •  Se retirarmos da “fileira I&D” os laboratórios do Estado e os centros tecnológicos cujos sócios principais são instituições do Estado pouco ou nada sobra dessa fileira com relevância em termos económicos e sociais. Desta forma e como bem nos ensina o Professor José Manuel Tribolet(1) em Portugal não há quase nenhumas instituições de I&D. Há é muitas “Repartições  Públicas” com funcionários do Estado, que se dedicam ao I&D. Muitas, muitas instituições sem visão, missão, enquadramento estratégico, pertença, gestão, avaliação e que custam milhões, em salários dos funcionários públicos ao Orçamento do Estado.

 

  • O Estado pouco ou nada reagiu às mutações induzidas pela globalização, afastando-se ainda mais do sector empresarial o qual tem vindo a realizar uma profunda reestruturação.

 

  • A dinâmica de desenvolvimento na área das TIC carece de requisitos fundamentais, a saber: facilidade de utilização, fiabilidade, interoperabilidade e acima de tudo, a acessibilidade de preços e condições para que as boas ideias possam vingar e ser implementadas com sucesso. Ora isto são tudo requisitos que têm estado ausentes do “sistema nervoso” da economia digital portuguesa.

 

  • A participação da investigação universitária nos orçamentos gerais de investigação tem sido insuficiente existindo, por isso, uma forte tendência dos investigadores mais prestigiados e qualificados em abandonar os departamentos de investigação universitária para irem trabalhar para o estrangeiro.

 

  • As universidades geram escasso capital “intangível” que seria o somatório do capital humano, o capital estrutural e organização e o capital tecnológico de natureza intangível, ou seja, a visão tecnológica a gestão da I&D e o know-how. Por isso não tem conseguido produzir e vender serviços de diversa natureza: formação contínua, inovação, criação de empresas de base tecnológica e apoio a empresas em matéria de investigação básica.

 

  • Inexistência de conectividade entre a Investigação Pública e o seu meio ambiente, limitando muito o impacte da ciência portuguesa na competitividade da nossa economia.

 

  • O enquadramento fiscal das Sociedades de Capital de Risco portuguesas apresenta uma total ausência de competitividade quer a nível interno – as SGPS mesmo com a nova reforma fiscal têm uma carga fiscal muito mais favorável – quer a nível externo – em Espanha as SCR encontram-se sujeitas ao pagamento de apenas 1% nas mais valias obtidas com a alienação das suas participações contra os 35,2% das SCR portuguesas em igualdade de circunstâncias – abraçando um regime fiscal completamente desfasado das exigências requeridas para tornar aliciante a entrada das SCR internacionais em Portugal.

 

  • As SCR internacionais não têm qualquer filial em Portugal, ao contrário do que acontece em Espanha, onde cerca de 45% do total dos montantes envolvidos na Indústria do Capital de Risco tem proveniência estrangeira. Ainda este mês de Fevereiro a sociedade europeia de Capital de Risco ETF, que conta com uma capacidade de investimento anual de 300 milhões de dólares, se instalou em Espanha, contribuindo para adicionar aos projectos espanhóis não só o capital “dinheiro” mas fundamentalmente o capital “conhecimento” – resultante do «saber fazer» das redes de contactos nacionais e internacionais e principalmente da credibilidade que proporciona às “ideias”.

 

  • Ausência de um quadro fiscal incentivador aos pequenos aforradores a investir em empresas não cotadas, ao contrário do que acontece em França onde se verifica um forte incentivo ao aparecimento de investidores informais habitualmente designados por Business Angels.

 

  • As SCR intervenientes na Indústria do Capital de Risco Português, fundamentalmente ligadas ao Estado, apenas se limitam a seleccionar, de forma passiva, empresas abstendo-se de formar outras e a promovê-las. Ao contrário do que acontece em Espanha não promovem, por exemplo; a realização de concursos nos quais os empreendedores podem obter financiamento para as suas start-ups ou, mesmo que tal não aconteça, tenham, pelo menos, uma oportunidade de serem vistas e de receberem um feedback útil por parte dos investidores e demais comunidade empresarial.

 

  • As SCR públicas encontram-se sujeitas às directrizes da tutela que sobre elas se continua a impor e as isolam da sociedade real, em detrimento da tomada de participações de acordo com as análises de oportunidade e de retorno do investimento, num quadro temporal ajustado aos respectivos sectores económicos.

 

  • Poucos gestores das SCR, nomeadamente das públicas; têm tempo ou vocação para se especializar em áreas diferentes da ciência e da tecnologia para serem capazes de avaliar projectos nas áreas das tecnologias de informação e comunicação com particular destaque para a internet o que, acrescendo ao facto de as SCR portuguesas não terem o hábito de recorrer a entidades externas para analisar os projectos que lhes são apresentados, faz com que a entrada das SCR nos projectos de âmbito tecnológico venha sendo adiada. Como consequência quando começam a surgir alguns sinais de dinamização dos mercados, como por exemplo ocorreu em 1999 com a Internet, já se torna tarde demais para investir  pois passamos a estar em contra ciclo com os mercados mais evoluídos o que leva como é obvio à retracção por parte dos investidores..

 

  • Os Governos não têm percebido que, para dinamizar um “ecossistema” favorável à criação de uma cultura empreendedora não basta apenas disponibilizar milhões de contos – o 2º Quadro Comunitário de Apoio tinha um programa de apoio ao desenvolvimento do capital de risco que dispunha de mais de 40 milhões de contos e apenas foi utilizado em cerca de metade o que diz bem que o problema não está no dinheiro – quer através dos POEs quer através das SCR públicas, mas fundamentalmente estimular os empresários natos, através da sponsorização dos já citados concursos, de fóruns especializados, da dinamização regional de clubes de Business Angels e na formação de autênticas comunidades de interesses entre empreendedores e investidores, de forma a criar um ambiente promotor de excelência que alimente toda uma cadeia de micro-inovações ao longo de cada processo de negócio e de uma forma integrada.

 

  • Existência de uma “fileira I&D” portuguesa “virtual” que tal como diz o Professor José Tribolet, “é realmente relevante para a exibição política do Poder e para o show-off de alguns dos seus protagonistas e para acalmar as consciências e calar as vozes de certas elites, como infelizmente continua a ser maioritariamente o caso em Portugal”.

 

Conclusão

Em resumo, sou da opinião que em Portugal se torna necessário, para além dos milhões de contos existentes (ainda recentemente o Senhor Ministro das Finanças em entrevista ao DN afirmou que o Estado tem 168 milhões de contos sob a sua tutela na área do capital de risco!!!), começar a partir de uma base pequena, ou seja, por criar um ecossistema assente numa complexa rede de relações, ideias, empreendedores e energia (capital) proporcionado por uma vigorosa indústria de capital de risco (formal e informal) que incluísse os operadores internacionais, especializada no financiamento de novos empreendimentos, nomeadamente os que se destinam à plataforma de comunicação INTERNET.

Pois só assim poderemos conseguir, com o envolvimento de todos, misturar o compromisso de aprendizagem contínua, por parte dos empreendedores a que não pode ser alheio a comunidade académica, um amor pelo risco e ausência de receio de fracasso, obtendo uma mistura de elevado potencial de inovação que nos fará fazer parte das redes de informação que tenham acesso às decisões estratégicas de âmbito global.

Importa igualmente referir que se torna necessário que, ao nível das diversas instituições nacionais e supranacionais, sejam criadas condições que permitam às empresas obter o apoio necessário ao desenvolvimento tecnológico e formação de recursos humanos, nomeadamente através da dinamização dos mercados estatais (telecomunicações, por exemplo) e da forte aposta na dinamização do capital de risco como elemento potenciador de novas empresas de base tecnológica.

Até porque neste momento fazemos parte de um espaço económico que nada tem a invejar em relação aos Estados Unidos, quer perante o tamanho dos seus mercados, quer à vitalidade da sua economia. Ampliado pela Internet, um mercado europeu bem real e sem fronteiras emerge, provocando oportunidades de crescimento bastante fortes em tecnologia de ponta.

Porém, sem o capital “conhecimento” que o capital de risco adiciona aos projectos tornar-se-á difícil que os empreendedores portugueses dos sectores de base tecnológica inovem e sejam mais eficazes com prejuízo no aumento do bem estar social e económico do nosso País.

Francisco Banha

fbanha@gesbanha.pt

Director Geral da Gesventure

www.gesventure.pt



(1) “Forças e Fraquezas da fileira da I&D na Europa, face aos EUA e ao Japão”

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