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26 de Junho de 2022 às 21:01

O que se está a passar novamente na TAP é uma imoralidade

As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre a morte da pequena Jéssica, a TAP, a crise na Saúde, o aumento das pensões entre outros temas.

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A MORTE DE JÉSSICA


  1. A morte de uma criança em circunstâncias como estas é sempre chocante. Mas a morte de uma criança que alegadamente foi usada como moeda de troca para pagar uma dívida de um bruxedo é algo de revoltante. Revoltante em relação à alegada ama e em relação à mãe. Esta é matéria das autoridades judiciais: cabe-lhes investigar, acusar e julgar.
Mas há três outras questões que dizem respeito a todos nós:
  1. Primeira questão: a responsabilidade da comunidade. É público que esta criança era agredida pela mãe à frente de toda a gente. Que muitas vezes aparecia com fome. Apesar de tudo isto, nunca houve uma denúncia. É aqui que nós, enquanto comunidade, falhamos. Gostamos muito de levantar o dedo acusador contra o Estado, mas não fazemos a nossa parte. 
  2. Segunda questão: o arquivamento do processo judicial. Esta criança esteve sinalizada pela CPCJ praticamente desde que nasceu.  A Comissão quis aplicar-lhe uma medida de protecção. Considerava que era uma criança de risco. Depois, o processo transitou para a Justiça. E a Justiça há um mês arquivou-o. É preciso esclarecer esta contradição: a CPCJ considerava que a criança era um caso de risco; a Justiça considerou o contrário. Porquê? 
  3. Finalmente:  a urgência de reavaliar o sistema. Esta criança tinha 5 irmãos. Nenhum vivia com a mãe. Uns com os avós. Outro com o pai. Outro ainda institucionalizado. Isto não deveria ser suficiente para a considerar uma criança de risco? Será que o Estado está mesmo a funcionar bem nestas questões? Será que as várias entidades falam umas com as outras? Que vão ao terreno, em vez de estarem só nos gabinetes? É importante reavaliar. Antes da Jéssica já houve outros casos. E depois da Jéssica pode haver outros. 

 


AUMENTOS DAS PENSÕES EM 2023


O PM falou esta semana de um aumento histórico das pensões em 2023. Tem razão. No próximo ano, as pensões terão um aumento muito acima do habitual. É uma boa notícia para milhões de reformados.
  • Não é por decisão do Governo. É pela aplicação de uma lei de 2006. Segundo ela, a atualização das pensões é feita: em função da inflação do ano anterior; e da média do crescimento do PIB nos dois anos anteriores. Como estes valores são altos, os aumentos serão grandes.
Assim, estimando uma inflação de 5,9% este ano e um crescimento médio do PIB (2021/2022) de 4,3%, eis o critério geral de aumentos em 2023
  • Pensões até 886€ (2 IAS), um aumento de 6,8%; 
  • Pensões entre 886€ e 2659€ (entre 2 e 6 IAS), um aumento de 6,4%; 
  • Pensões acima de 6 IAS (2659€), um aumento de 5,9%.
Vejamos dois exemplos práticos:
  1. Pensão de 600€: passará em 2023 para 640,8€. Um aumento de 40,8€ (6,8%). 
  2. Pensão de 1400€: passará em 2023 para 1492,4€. Um aumento de 92,4€ (6,6%). 
A oposição só fala dos "cortes" que as pensões terão este ano por causa da inflação; o Governo só refere os aumentos que haverá em 2023 por força da lei. Percebe-se que cada um "puxe a brasa para a sua sardinha". Mas o que é correto é dizer: haverá uma perda de rendimento das pensões este ano que será compensada com um aumento significativo no próximo ano.


O ESTADO DA SAÚDE


O Observatório Português do Sistema de Saúde, no seu Relatório da Primavera, divulgou três realidades brutais:
  1. Primeira: nos últimos 6 anos (de 2016 a 2022), o número de profissionais de saúde no SNS aumentou significativamente (mais 30 mil entre março de 2016 e março de 2022);
  2. Segunda: apesar disso, a produtividade no SNS baixou 25% em 6 anos (de 400 para 300 actos por cada profissional);
  3. Terceira: há, segundo o relatório, três razões a justificar esta quebra de produtividade: a passagem das 40 para as 35 horas de trabalho; o alto absentismo nos hospitais (12%); a forte concorrência do sector privado, que leva a excessiva rotatividade ou até á destruição das equipas do SNS.
Este retrato é independente e brutal, mas é importante para se agir. Assim: 
  1. Primeiro: este é o grande problema do SNS. Tem mais dinheiro e mais profissionais. Mas tem piores resultados do que tinha
  2. Segundo: a solução não é despejar mais dinheiro no SNS. É reformá-lo. O SNS precisa de organização, gestão e avaliação
  3. Terceiro: com uma maioria absoluta vai ser difícil ao Governo não fazer as mudanças que se impõem. Uma maioria absoluta é uma arma de dois gumes: dá ao Governo mais poder; mas também lhe confere maior responsabilidade. Acabaram as desculpas e os alibis. 

NOVAS GREVES NA TAP?


O que se está a passar novamente na TAP é uma imoralidade. Vejamos:
  1. Para salvar a TAP da falência, o Estado "meteu" na Companhia 3,2 mil milhões de euros. Dinheiro dos impostos dos portugueses.
  2. Em contrapartida, os trabalhadores aceitaram voluntariamente fazer cortes nos seus salários.
  3. Passados apenas 6 meses da aprovação deste Plano, já estão a suceder coisas estranhas: primeiro, já estão a ser revertidos alguns dos cortes aprovados; segundo, mais grave, os pilotos até já admitem fazer greve se a reversão de cortes não for maior.
Aqui chegados, pergunta-se:
  • Mas a TAP já começou a dar lucros? Não, a TAP continua a dar prejuízos: 121 milhões de euros no primeiro trimestre deste ano.
  • Ao Estado, que o mesmo é dizer aos contribuintes, já foi devolvida alguma parte do dinheiro que lá meteu? Não, o Estado não recebeu nada.
  1. Neste quadro, é moralmente discutível que a TAP, ao fim de tão pouco tempo, já ande a fazer reversões de cortes. Mas, pior ainda, é um escândalo que o Sindicato dos Pilotos ameace fazer greve se não houver reversões maiores. Ainda por cima, falando de pilotos, falamos dos trabalhadores mais bem pagos em Portugal. Não apenas na TAP. Mas em todo o País.
  2. Os pilotos fazem sacrifícios. É verdade. Mas os portugueses não fazem menos. Se não fosse o dinheiro do Estado, a TAP já teria fechado e muitos dos pilotos que agora querem fazer greve estariam no desemprego.
  3. Tudo isto pode ser perfeitamente legal, mas tudo isto é completamente imoral. Uma greve destas, se ocorrer, vai entrar para o Guinness como a greve mais imoral e impopular que se conhece.

SUBIDA DO CUSTO DE VIDA


Uma sondagem da Aximage para a TSF, DN e JN mostra bem como a preocupação dos portugueses com o custo de vida está a aumentar:
  • 2/3 dos portugueses fizeram cortes na alimentação.
  • 2/3 mudaram de hábitos de transportes por causa dos combustíveis.
  • 46% consideram que resposta do Governo à crise é má.
  • 89% pedem mais apoio, por via financeira ou fiscal.
Nada desta sondagem surpreende. É tudo compreensível.
    • Primeiro: somos o 3º país da UE em que os produtos alimentares mais subiram de preço (7,6%), a seguir à Lituânia e à Letónia.
    • Segundo: este ano a generalidade dos portugueses vai perder rendimento, seja no salário, seja nas pensões, por causa da inflação. 
    • Terceiro: temos uma enorme carga fiscal, em particular sobre o trabalho.
    • Finalmente: os apoios do Governo são positivos, mas são claramente insuficientes. Desde logo no cabaz alimentar para as famílias mais pobres. O Governo renovou o apoio esta semana. Mas 60€ por trimestre são 20€ por mês, menos de 1€ por dia. Um valor quase provocatório.
Em Espanha o apoio é de 200€/mês. Em Itália, o mesmo valor. Na Alemanha e RU ainda mais. 20€ em Portugal é muito pouco.

O Governo quer, e bem, controlar o défice e a dívida. Mas também é preciso ter um olhar mais social. Nem 8 nem 80. Tempos excepcionais exigem medidas excepcionais. Contas certas, sim, mas com justiça social.


UCRÂNIA A GANHAR OU A PERDER?


Na guerra da Ucrânia normalmente olhamos para a árvore e esquecemos a floresta: o contexto geral da guerra e as suas tendências. Esta, porém, é uma semana capital para melhor se perceber a evolução do conflito. O balanço não é brilhante para a Ucrânia. A Ucrânia ganhou politicamente; está a perder militarmente; e pode começar a perder o apoio da opinião pública ocidental.

Vejamos:
  • A Ucrânia ganhou politicamente com a conquista do estatuto de candidata à UE. Esta era há meses uma ambição impossível. A Ucrânia "vergou" os mais céticos e evitou que a UE desse um trunfo à Rússia. Foi uma grande decisão para a UE e uma grande motivação para os ucranianos. 
    1. Militarmente, a Ucrânia está a perder terreno. Esta foi a semana mais difícil depois da queda de Mariupol. Os Ucranianos perderam Severodonetsk. Os russos estão a ganhar terreno no Donbass. E perdido o Donbass, há o risco de, a sul, a Rússia tentar impedir a Ucrânia de acesso ao mar.  O cerco está a apertar-se. A superioridade militar da Rússia é enorme. Falta saber se as armas recebidas dos EUA e da Alemanha conseguem inverter a situação.
  • A Ucrânia pode começar a perder o apoio da opinião pública ocidental. A Rússia está paulatinamente a cortar o gás à Europa. A Alemanha começou a fazer racionamentos de energia. Outros países vão ter que fazer o mesmo. O risco de recessão na Europa é grande. No Verão, ainda se aguentam os impactos desta situação. No Inverno, a falta de energia torna tudo mais difícil. O apoio à Ucrânia pode começar a diminuir. É o cansaço da guerra.
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