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Novo Governo, nova esperança: "déjà vu"

Aí está o novo Governo. Foi recebido, na generalidade, com palavras positivas na comunicação social

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(1) Aí está o novo Governo. Foi recebido, na generalidade, com palavras positivas na comunicação social, muitos com a esperança de uma nova geração de caras e políticas reformistas, e com um primeiro-ministro que sabe que não pode falhar. Agora sim Portugal vai mudar, vai arrumar casa, e vai crescer ("Portugal de novo o aluno exemplar"). Mas, para os mais esquecidos, e parecer que em Portugal está muito na moda esquecer, foi assim em 2005. Os mesmos elogios, a mesma conversa do reformismo, e também uma mesma promessa de um primeiro-ministro que não vai falhar (e sabemos agora que falhou e por muito). O mesmo panegíricio pelos mesmos de sempre ("O optimismo que faz bem a Portugal"). Os mesmos comentadores, os mesmos grupos de pressão, os mesmos senadores do regime. Pode ser que Passos Coelho venha a ser muito melhor que Sócrates. Mas espero que saiba ver que o mesmo coro de loas e hosanas é apenas um sinal de que Portugal realmente não mudou.

(2) A obsessão com os "independentes" é um fetiche português certamente decorrente do anti-partidarismo que impera na sociedade portuguesa, herança do salazarismo que não só não desapareceu como se agravou com a degradação do regime. Os "independentes" são umas senhoras e uns senhores que não pagam quotas como filiados num determinado partido. A relação entre o pagamento de quotas e o mérito individual é absolutamente absurda, mas está transformada num dogma essencial da nossa democracia. Politólogos, comentadores, jornalistas, todos analisam o número de independentes no Governo, o seu significado, a sua escolha. E, no entanto, objectivamente os quatro ministros "independentes" são figuras próximas do PSD há mais de dez anos, alguns deles com carreiras que passaram pela Administração Pública em épocas do PSD e/ou com participação activa em iniciativas do PSD. Francamente, é absolutamente irrelevante para avaliar os novos ministros, mas os profissionais da comunicação social portuguesa (também todos eles "independentes") acham que o pagamento de quotas é que importa. Em qualquer outra democracia os "independentes" à portuguesa são simplesmente identificados como próximos de um determinado partido, isto é, o PSD tem sete pastas e o CDS três (em vez do 4-4-3 que os jornalistas comentaram durante dias e dias). Mas, em Portugal, gostamos de "independentes" por oposição aos "dependentes". Acontece que em qualquer democracia avançada são os "dependentes" que mandam e governam. No Reino Unido até existe a regra pela qual não se pode servir no governo sem previamente ser membro do Parlamento. Uma democracia de "dependentes". Ainda não descobriram as maravilhas dos "independentes".

(3) A ministra da Justiça não é uma "independente" mas antes um peso político importante da coligação. Como foram os dois ministros anteriores. E pelos exemplos de Alberto Costa e Alberto Martins é evidente que ter uma senioridade política não chega (bem pelo contrário, acredito que o PS teria feito mais e melhor na Justiça com gente mais nova e mais consciente que tinha nos seus governos). Tenho a certeza que a ministra tem quer a personalidade, quer o "modus operandi" para prosseguir com sucesso uma reforma da Justiça que finalmente possa melhorar significativamente os nossos tribunais. Ao contrário dos ministros anteriores, tem o conhecimento profundo do mundo judiciário e experiência dos tribunais para perceber o que tem que mudar. Foi bem recebida pelas corporações, pelos poderes fáticos da justiça portuguesa, e até por observadores normalmente mais críticos (como Boaventura de Sousa Santos). As mesmas corporações, os mesmos poderes fáticos da justiça portuguesa, e os mesmos observadores críticos que não pouparam elogios a Alberto Martins em Outubro de 2009. E sabemos como bem acabou a reforma da justiça nas mãos do PS.

(4) Escrevo esta coluna antes de ter a oportunidade de ler o Programa de Governo para a justiça. Mas antecipo duas notas. Primeiro, o cumprimento cabal do memorando com a troika. Como já aqui escrevi (bem como no documento elaborado pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa), na área da justiça, o documento parece-me tecnicamente deficiente, inconsistente, irrealista e problemático (sem colocar em causa que muitas das medidas pontuais preconizadas pela troika sejam positivas). Entendo que a ministra da Justiça tenha que cumprir aquilo que o Governo português prometeu fazer, mas temo que a coisa não vai correr bem (porque, com o actual documento, não podem correr bem). Muitos comentadores da Justiça já falam em cumprimento parcial ou selectivo, eliminado aquilo que tem menos sentido. Concordo. Mas a ministra é vice-presidente de um partido que assinou esse memorando e não recordo nenhuma palavra cautelosa quer do PSD, quer do CDS ao que lá está escrito.

Segundo, daquilo que conheço da ministra pelo que vem dizendo nos últimos anos, ela acredita que temos essencialmente um problema de gestão e organização, eventualmente um problema de cultura judiciária corporativa, mas não um problema sistémico de modelo. Uma vez que o nosso modelo não funciona nem em Portugal, nem em Espanha, nem em França, nem em Itália, eu tenho uma opinião distinta. Evidentemente temos um problema conjuntural (no que certamente partilho do diagnóstico da ministra), mas temos também um problema estrutural, e este bem mais grave. Enquanto a política na Justiça não reconhecer esse problema estrutural, não vai mudar muito (ainda menos vamos ter poupanças significativas como pretende a troika). Mas cá estaremos em 2015 para ver quem tinha razão! Espero sinceramente que a realidade mostre que eu estava errado.



Professor de Direito da University of Illinois
nuno.garoupa@gmail.com
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