Opinião
Não há Lisboa sem a "Grande Lisboa"
Relendo o artigo que escrevi neste jornal, há cerca de um mês, sob o título Lisboa. Que fazer com as próximas eleições?, decidi voltar a este tema e a um assunto que, embora quase totalmente ausente do debate, está subjacente à decisão que vai ser tomada
Que fazer com as próximas eleições?, decidi voltar a este tema e a um assunto que, embora quase totalmente ausente do debate, está subjacente à decisão que vai ser tomada no próximo dia 15 de Julho, a saber: Não faz hoje qualquer sentido falar da cidade como realidade "separada" e "autónoma" de uma outra realidade que, administrativamente, não existe e a que se chama, habitualmente, a "Grande Lisboa".
Logo no início do artigo, chamava a atenção para que "em Lisboa se joga, também e sobretudo, competitividade e inovação na economia portuguesa" e é esta realidade que, independentemente da vontade política, torna cada vez mais actual (e inadiável) o debate deste tema.
O tema é indissociável da questão da existência da "Grande Lisboa" como entidade administrativa autónoma e dotada de capacidade de decisão e concretização, e transcende o plano em que habitualmente é colocado – "como melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes", tema obviamente importante mas não estratégico.
A questão decisiva coloca-se, de facto, no plano económico, já que é necessário uma dimensão económica, social e tecnológica mínima, (que Lisboa não tem mas a Grande Lisboa tem) para que esta grande área urbana possa desempenhar, de facto, o seu papel de motor (insubstituível) no desenvolvimento económico de Portugal.
Esta é uma questão incontornável e o constante adiamento de uma solução adequada tem sido um factor importante, embora raramente mencionado, para a "descolagem" económica que a economia portuguesa tem manifestado relativamente à dinâmica económica da UE.
É que, cada vez mais, a competição entre economias é protagonizada, em primeiro lugar, pelas grandes áreas urbanas com claro prejuízo para aquelas que não foram capazes de se reorganizar a tempo e de renovar as suas estruturas e instrumentos de administração.
Hoje, é no seio das grandes áreas urbanas que se "gera" a inovação, no contacto íntimo entre a universidade e os centros de investigação, os investigadores que procuram desenvolver empresarialmente as suas ideias, as empresas e empresários dinâmicos, o mercado utilizador mais exigente e as infraestruturas de apoio – sejam capital de risco, serviços, espaço estruturado, ou outros.
É a esta luz que devem ser apreciados os projectos de "especialização" que têm sido propostos para Lisboa – a aposta nos cluster’s do "mar", do "turismo" e do "conhecimento". Ora, nenhum deles faz qualquer sentido fechado nos estreitos limites da cidade nem a necessidade de uma gestão global encontra resposta no modelo administrativo (feudalizante) autárquico existente. Consideremos, então, o problema segundo esta óptica.
As actividades ligadas ao cluster do mar (que, de facto, são ainda(?) muito pouco significativas no nosso país) abrangem, naturalmente, a vasta região que inclui o estuário do Tejo, a costa atlântica a norte e a sul do estuário do rio Tejo e os centros de ensino, nomeadamente universidades, (estudo, investigação e lançamento de actividades inovadoras). Transcendem, portanto, largamente os estritos limites da cidade.
Quanto ao turismo, quer na vertente interna quer na externa, e nas suas diversas componentes – lazer (campo e praia), História, negócios, congressos, etc. – não só abrange a maior parte da região acima referida mas interliga, de facto, uma região ainda mais vasta.
E não pode deixar de ser mencionado que o "pulmão" desta grande região urbana, constituída por várias áreas arborizadas e parques naturais – Monsanto, Guincho, Arrábida, Sintra, etc. – tem de incluir a área da Companhia das Lezírias (que devia desempenhar, para esta região, o mesmo papel que o parque de Monsanto representou para a cidade aquando da sua criação, na década de trinta do século passado). Continuamos, portanto, fora dos limites apertados da cidade.
Quanto ao cluster do "saber", que deve juntar ensino, investigação, empresas e empresários, recordemos que não existem hoje, na cidade de Lisboa, locais onde estas três componentes possam coexistir. As empresas estão longe da universidade e não tem "espaço" para se aproximar, a investigação não tem espaço para "projectar" inovação empresarial no espaço adjacente (estas interfaces criadoras de inovação "fugiram" para as autarquias vizinhas) e a universidade continua, no essencial, "isolada" da realidade que deveria ajudar a "modernizar". Para não referir o "quase extinto"centro de investigação, que se situa no Lumiar, vizinho de um discreto parque empresarial e ambos isolados do "motor" universitário (e mesmo da cidade).
A cidade de Lisboa, a maior concentração universitária do país, tem de mudar este estado de coisas, tem de aproveitar o seu parque imobiliário, em conjugação com projectos de renovação urbana e com a iniciativa privada, para criar, na vizinhança imediata das principais escolas universitárias, áreas para centros empresariais (investigação das empresas e spin off’s dos projectos de investigação inovadores). Se tal não for concretizado, Lisboa (a cidade mas também Lisboa, a grande área urbana) continuará a perder um tempo precioso na corrida à criação de capacidades modernas de inovação empresarial, a atrasar-se na corrida da "competitividade" no seio da UE e a "falhar" no seu papel de constituir o motor da inovação económica em Portugal.
A complexidade das relações entre os diferentes interesses que se movem neste vasto espaço exigem uma regulação específica à escala total da região, já que não pode ser feita apenas em função de critérios definidos em contextos locais. Há muito que a matemática demonstrou que o "óptimo" global está longe de ser a soma dos "óptimos" locais.
O tema da "Grande Lisboa" é, assim, indissociável de qualquer discussão sobre a cidade ou sobre o desenvolvimento económico do nosso país. Por outras palavras, a "cidade de Lisboa" foi um tema actual até meio do sec. XX, a "Grande Lisboa" é, em termos incontornáveis, a unidade de reflexão, planeamento e gestão política neste início do sec. XXI.
É, portanto, na sua capacidade para dinamizar e liderar a batalha da competitividade e da inovação que Lisboa terá de aprofundar o seu papel como a capital de Portugal neste início do sec. XXI.
As próximas eleições não poderão passar ao lado deste debate, centrado não só na escolha de um conceito para Lisboa, para o papel desta grande área urbana no desenvolvimento da economia e da sociedade portuguesa mas também na estruturação administrativa da região urbana em que a cidade se integra.
"Declaração de interesses" – Devo informar, sobre esta matéria, que sou apoiante e integro a Comissão de Honra da candidatura do Dr. António Costa à Câmara Municipal de Lisboa. Apesar disso, este artigo é escrito a título estritamente pessoal.