Opinião
Bem vindos à idade adulta
Há pouco mais de cinquenta anos, Charles E. Wilson, secretário da Defesa de Eisenhower fez, perante o Senado dos EUA (durante as audições de confirmação da sua nomeação), uma afirmação que ficou para a História como tendo sido “O que é bom para a ‘General
Desligando-se do contexto em que foi formulada, esta afirmação ganhou vida e identidade própria, já que descreve em termos simples e precisos a estruturação da relação entre o poder político e o poder económico numa fase “madura” da sociedade norte americana caracterizada pela supremacia dos grandes grupos de negócios, as “big corporations”, impondo a sua hegemonia aos outros parceiros da sociedade norte americana.
O que parece poder concluir-se desta situação é que, nos EUA, alguns anos após o fim da II Guerra Mundial, tinha deixado de existir um “interesse nacional” como expressão de um “projecto estratégico” da sociedade interpretado e definido pelo sistema político democrático e capaz de se “impor”, pelo menos no plano “formal”, ao conjunto variado de “interesses” em presença (ou que, pelo menos, que reflectisse a formulação, pelo poder político, do equilíbrio ou das alianças entre esses vários interesses).
Tinha sido substituído, explicitamente, por um “interesse nacional” resultante da conjugação de interesses em torno dos grandes grupos económicos e financeiros, eminentemente “conjuntural” e variável, subalternizando o sistema político na definição das prioridades públicas.
Estava, assim, claramente estruturado o sistema de precedências na formulação das políticas no estádio “maduro” a atingir, na sua fase adulta, pelas sociedades capitalistas modernas baseadas nas regras da economia de mercado.
A identificação do interesse nacional com o simples “somatório” dos interesses das grandes corporações financeiras, é a confirmação da captura do processo de tomada de decisão política pelos “big business” e só pode significar a aceitação, ainda que menos consciente, pelas sociedades modernas, de soluções sub-óptimas para a configuração dos seus sistemas políticos e económicos. De facto, sabe-se que, em qualquer sistema complexo, o “óptimo” global não coincide com o somatório dos “óptimos” locais.
É, certamente, a consequência da progressiva inadequação dos modelos políticos tradicionais para responder à crescente complexidade dos problemas da gestão da “coisa pública”, reforçada pelo facto de a área de influência do “sistema político” permanecer substancialmente confinada ao território nacional, enquanto o “sistema empresarial” vê o seu horizonte de actuação em constante alargamento.
A mudança do conceito de “interesse nacional”, com a substituição da noção de “óptimo global” por um qualquer conjunto de “óptimos locais” permite, também, evidenciar que não há políticas “neutras” ou “independentes”. Com efeito, as análises técnicas que justificam as diferentes opções assentam a “lógica” de valorização sobre premissas políticas (ie, conjuntos de interesses).
Assim, qualquer proposta de actuação política é a expressão legítima de um conjunto de interesses competindo ao sistema político garantir o processo de decisão de acordo com uma metodologia que, nas democracias, assenta a sua legitimidade, em última análise, no voto popular.
Ora, a partir do momento em que se aceita que o “interesse público” possa corresponder a um conjunto arbitrariamente definido de óptimos “locais” (ie, interesses particulares), está-se implicitamente a aceitar que é lícito a qualquer “interesse individual” tentar integrar esse “conjunto privilegiado”.
Neste contexto, e para não “matar” a democracia, este paradigma de funcionamento da sociedade exige a existência de mecanismos que assegurem permanentemente e com fiabilidade, a “transparência” dos procedimentos.
Nos EUA a solução deste problema passou pela institucionalização da actividade de “lobbying”. Na Europa preferiu fazer-se a separação entre o beneficiário da “influência” e o “acto de influenciar”, com uma marca social negativa associada a este último.
O melhor exemplo do funcionamento das democracias maduras é, na actualidade, o conjunto de políticas levadas a cabo, em nome do “interesse nacional”, pela presidência norte americana.
Entre nós, o recente episódio da definição da melhor localização para o novo aeroporto de Lisboa, em que o conjunto de interesses corporizado pela CIP “impôs”, explícita e publicamente, a “sua” solução ao “sistema político” (não só ao Governo mas também à oposição) ilustra e confirma a “entrada” do capitalismo português na sua fase mais adulta. Parafraseando Charles E. Wilson “o que é bom para a CIP a para os seus parceiros é bom para o (nosso) país”.
E atenção, que não pretendo fazer qualquer crítica ou comentário negativo ao bem fundado da solução agora encontrada para resolver o puzzle do novo aeroporto, muito provavelmente a boa solução, mas apenas e somente reflectir sobre o significado “político” do “caminho” pelo qual se “chegou” a esta solução.
No processo tradicional de tomada de decisões, os diferentes interesses em presença actuariam, de um modo implícito, por “detrás da cortina” e o “sistema” político” arbitraria entre eles ou, aceitaria a posição mais forte mas, seria ela a assumir publica e explicitamente, a formulação da solução “correcta”, ie, a definição do “interesse nacional”.
No novo paradigma que está a fazer o seu caminho, um grupo de interesses privados constrói uma aliança e impõe, explicitamente, ao sistema político uma determinada decisão, que concretiza e promove os seus interesses, para um problema nacional – o novo aeroporto será em Alcochete ou, com maior rigor, em Benavente (com todas as ressonâncias políticas recentes que esta invocação pode provocar).
Mesmo que não apreciemos este processo de formulação de decisões políticas, ele é, pelo menos, mais claro e transparente.