Opinião
À Lareira, na Passagem do Ano
Começo por desejar aos leitores deste jornal que o ano de 2008 preencha todas as suas expectativas e desejos. Não parece que venha a ser tarefa simples, sobretudo para os mais ambiciosos, mas dentro de doze meses saberemos. No terminar da quadra festiva,
Logo no início do seu discurso o Presidente da República afirma que “o desemprego atingiu níveis preocupantes e são muitas as famílias que enfrentam sérias dificuldades para fazer face às suas despesas de todos os dias”.
O “desemprego” constitui, de facto, o problema mais sensível do nosso horizonte colectivo de curto prazo e a sua redução tem de ser, a partir de agora e mais do que nunca, uma das principais prioridades da actuação do governo. É, portanto, natural que o Presidente da República faça, deste assunto, um dos pontos fortes da sua mensagem.
E nada como a experiência de um antigo primeiro ministro para “sentir” a importância política do problema. No final de 2007, a taxa de desemprego parece encontrar-se estabilizada no valor de 7,9% (média do III trimestre deste ano), depois de ter atingido 7,7% no ano anterior, mas regista um preocupante valor de 16% no grupo dos jovens com menos de 25 anos.
Ora, a situação do emprego no nosso país, no final da governação do Prof. Cavaco Silva, não era significativamente diferente. Senão, recordemos. Em Outubro de 1995, a situação agravava-se rapidamente, com a taxa de desemprego a atingir 7,3% (a partir de 6,8% no ano anterior). Entre os jovens com menos de 25 anos, esse valor tinha mesmo ultrapassado os 16%.
Algumas diferenças, no entanto, merecem ser mencionadas porque podem constituir sinais de esperança neste início de 2008. A mais importante é que, embora a taxa de desemprego seja ligeiramente superior ao que era no final de 1995, hoje cerca de 49% dos portugueses estão a trabalhar contra apenas 45,2% naquela altura (apesar do número significativamente superior de reformados).
Ou seja, em cada família, hoje, é maior o número de pessoas que trabalham. Tal facto resulta de a taxa de actividade ter crescido, no nosso país, de 48,7%, no final de 1995, para os actuais 62,9%. E convém não esquecer a taxa de inflação, também mais favorável (registando hoje cerca de 2/3 do valor que se verificava em 1995).
Quanto ao investimento privado, o grande criador de emprego “bom”, o inquérito à conjuntura do investimento de Outubro de 1995 mostrava uma continuada evolução negativa (esperava-se então uma redução de 3,5% para 1996) quando hoje exibe sinais claros de recuperação.
Aliás, sobre este aspecto, o discurso é bem claro. “É preciso não esquecer que somos um País de pequenas e médias empresas. Sem o seu contributo não é possível o crescimento da economia e a redução do desemprego”.
Assim, quando o Presidente se interroga: “É natural que aos Portugueses se coloquem hoje várias interrogações. Será possível reduzir a taxa de desemprego?” e continua, afirmando “Estou convencido que sim”, fá-lo com a convicção do dejá vue, sabendo que tal foi possível na segunda metade dos anos noventa. E, desta vez, esperamos que se concretize de uma forma mais sustentada.
Numa outra passagem do seu discurso, esta muito criticada pelos comentadores dos diversos quadrantes, o Presidente da República refere-se às enormes desigualdades que se registam, em Portugal, entre os salários de altos dirigentes empresariais e dos trabalhadores em geral.
Afirmou o Presidente na sua mensagem: “Não podemos deixar de nos inquietar perante as desigualdades na distribuição do rendimento que as estatísticas revelam. Sem pôr em causa o princípio da valorização do mérito e a necessidade de captar os melhores talentos, interrogo-me sobre se os rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos seus trabalhadores”.
Sobre esta passagem do discurso presidencial, se demonstração fosse necessário, a saga em torno do BCP e a avalanche de revelações públicas que a tem acompanhado constituem evidência bastante em seu apoio.
Não se trata de defender qualquer filosofia de redistribuição igualitária de rendimentos, já que o nosso país apresenta, efectivamente, desigualdades salariais muito superiores aos outros membros da UE ou da OCDE.
Trata-se apenas de reconhecer que em muitos casos – de que aquele grupo financeiro, pelo menos nos anos recentes, é um claro (e triste) exemplo – não é possível encontrar qualquer correlação (ou, quando muito, existe uma relação inversa) entre o desempenho económico e os níveis de vencimentos pagos aos seus gestores de topo.
Neste, como noutros casos, não se trata de um prémio pelo risco assumido ou de uma recompensa pelo êxito obtido ou pelo mérito associado ao êxito das estratégias promovidas mas tão somente a consequência da captura, por esses grupos específicos de altos dirigentes, dos centros de decisão e da sua utilização despudorada e sem qualquer controlo, em benefício próprio.
Ora, premiar o talento e o mérito e recompensar a capacidade para assumir riscos corresponde, nas modernas economias de mercado, a apoiar atitudes fundamentais para promover o dinamismo, a inovação e a competitividade das empresas e das organizações em geral. Pelo contrário, a criação de “feudos” com direito a “rendas de situação” sem qualquer relação com o nível dos resultados organizacionais obtidos, tem a consequência inversa ie, anulando os mecanismos que promovem a combinação mais eficiente de recursos, tende a afastar a economia do seu desempenho óptimo, reflectem a ausência quer de concorrência quer de transparência e confirmam a permanência continuada de elementos arcaicos nas áreas de comando da sua estrutura social.
Assim se explica que países com sistemas económicos e sociais construídos com base na valorização do talento e do mérito e na recompensa pelos riscos assumidos apresentam, relativamente ao nosso país, níveis de desenvolvimento superiores e desigualdades salariais mais reduzidas.
Dum ponto de vista puramente liberal, trata-se de um comportamento antieconómico na medida em que promove a ineficiência económica. Mas é também um comportamento anti-social na medida em que “rendas de situação”, sobretudo em períodos de crise económica, “libertando” os seus beneficiários das consequências da ausência de rigor na actuação, constituem desigualdades evidentes e injustificadas e, como tal, tendem a fragilizar a componente democrática da sociedade e, consequentemente, a enfraquecer a coesão social.
Bem esteve o Presidente ao denunciar estas situações. Estranho é a “passividade”, ou mesmo, a “benevolência”, com que “certos” comentadores “credenciados” aceitam estas situações de benefício injustificado, contrárias à ética liberal e manifestamente anti-sociais.