Opinião
Começou o post Kyoto
Está a decorrer, de 3 a 14 de Dezembro, em Bali na Indonésia, a Conferência das Nações Unidas sobre “Alterações Climáticas”. A sua importância tem a ver com o facto de constituir o lançamento das discussões e negociações que deverão culminar na definição
Começa, finalmente, a existir interesse e preocupação, a nível internacional, com o tema das “Alterações Climáticas” e um maior consenso sobre a necessidade de adoptar políticas, a nível global, para tentar controlar o fenómeno. O Relatório anual do PNUD-Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, abaixo referido, afirma claramente logo no seu início “As alterações climáticas são hoje um facto cientificamente comprovado”.
Sinal evidente de que este problema começa a estar no “top” das agendas internacionais foi a atribuição do Prémio Nobel da Paz, conjuntamente, a Al Gore e ao IPCC, painel de especialistas das Nações Unidas (Programa para o Ambiente) e da Organização Meteorológica Mundial para as alterações climáticas. A decisão do novo governo australiano de aderir ao Protocolo de Kyoto, anunciada no primeiro dia da Conferência de Bali, é um bom indicador das preocupações dos meios políticos com este problema, com são o interesse do G8, da UE ou do governo francês (com a mediática iniciativa da “Grenelle do Ambiente”). Dos países ricos, apenas os EUA continuam a manter uma olímpica ignorância...
Sobre o tema “Alterações Climáticas” três importantes relatórios foram apresentados a público durante as últimas semanas. Primeiro, em 25 de Outubro, o GEO4 (Global Environment Outlook, versão 4), da responsabilidade do Programa das Nações Unidas para o Ambiente.
Em 17 de Novembro foi a vez do IPCC tornar público o seu “”Relatório Síntese”, doravante uma referência incontornável para a definição de actuações, a nível internacional, que visem responder efectivamente à ameaça das alterações climáticas.
Condensação das conclusões de três painéis, a “Ciência Física de Base”, “Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade” e “Mitigação das Alterações Climáticas”, constitui uma descrição impressionante e convincente, mantendo-se sempre no terreno técnico e na fria realidade dos números, das ligações entre a actividade humana e as alterações climáticas.
Em 27 de Novembro foi a vez do PNUD apresentar publicamente o seu Relatório anual sobre “Desenvolvimento Humano” a que chamou “Combatendo as Alterações Climáticas” com o elucidativo sub-título “Solidariedade Humana num Mundo Dividido”. Trata-se de um documento político, que propõe uma estratégia consistente para combater as alterações climáticas.
Ora, é hoje claro que as tendências de evolução das emissões de gases de efeito de estufa (GEE) nos países ricos terão de ser controladas e invertidas a muito curto prazo. Mais, nada fazer e esperar para ver agravará a situação em termos irreversíveis, já que os GEE’s se irão acumular na atmosfera ultrapassando rapidamente os valores limites de segurança.
De acordo com a projecções do IPCC, no relatório acima referido, o horizonte para essa redução não poderá ultrapassar a década 2020/30, de modo a ser possível reduzir o teor das emissões anuais desses GEE na atmosfera terrestre para metade do seu nível de 1990, sob risco de a atmosfera do nosso planeta ultrapassar irreversivelmente um valor acumulado de cerca de 1500 Gton de CO2 eq, valor que constitui uma espécie de “limite da sustentabilidade” da actividade humana no nosso planeta e para lá do qual se perfilam alterações climáticas irreversíveis, já que os GEE permanecerão muito para lá do momento em que foram gerados e afectarão profundamente as vidas dos nossos filhos e dos nossos netos.
O relatório do PNUD é também muito claro na separação existente entre países ricos (cerca de 15% da população mundial), os maiores responsáveis pela emissões dos GEE (cerca de 50% do total anual) mas ainda pouco afectados pelas suas consequências ambientais e países pobres, sem responsabilidade nas emissões mas já hoje profunda e tragicamente afectados pelas suas consequências.
Em 2004, os EUA ou o Canadá emitiram cerca de 20 ton de CO2 per capita contra cerca de metade ou menos nos países da UE, 3,8 na China, 1,2 na Índia ou valores da ordem de 0,1 na Etiópia e na Tanzania. As alterações climáticas são, já hoje, um importante obstáculo na luta contra a pobreza.
No período 2000/2004, um em cada 1.500 habitantes dos países da OCDE foram afectados por desastres climáticos. Nos países pobres, durante o mesmo período, foi um em cada 19. Os números falam por si...
O relatório do PNUD alerta par que, pela primeira vez na História da Humanidade, a promessa do século da Luzes, o “Progresso Permanente do Género Humano” estar em sério risco. Por isso apela, em nome de das principais vítimas de uma possível catástrofe, os pobres e as gerações futuras, que não têm poder para se defender, que sejam tomadas as medidas necessárias para evitar o pior.
Medidas essas que hoje estão perfeitamente identificadas e quantificadas. Uma fracção dos custos com o armamento, menos de 1,5% do PIB mundial.
É no quarto de século que se seguirá ao Protocolo de Kyoto que se a possibilidade de a Humanidade prosseguir a sua aventura cósmica ou destruir, irreversivelmente a Grande Nau que todos partilhamos. Se perdermos esta oportunidade, não existirá, provavelmente, uma segunda possibilidade.