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19 de Dezembro de 2007 às 13:59

Não basta equilibrar as contas públicas

Está atingido, ou está, pelo menos, muito próximo de ser atingido, o objectivo de redução do deficit orçamental para um valor igual (ou, mesmo, ligeiramente inferior) a 3,0 % do PIB, o que permite ao nosso país sair da lista dos países em situação de “ano

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Recuperada a imagem de “bom aluno”, as futuras reduções do deficit previstas no PAC (Plano de Estabilidade e Crescimento) suscitam pouco entusiasmo na opinião pública portuguesa, mais sensível a “realizações visíveis” do que a “pôr em ordem as contas da casa”. E, é bom não esquecer, o “custo social” deste ajustamento tem-se traduzido por uma elevação da taxa de desemprego e por um abrandamento sensível na progressão, que se acreditava garantida e sem necessidade de “esforços”, para níveis de rendimento “europeus”.

Assim, ultrapassado o entusiasmo (passageiro) com a “redução do deficit”, as atenções da opinião pública (e, portanto, dos eleitores) viram-se agora para o desemprego. Muito provavelmente será este, e não o controlo do deficit das finanças públicas, a preocupação central e o foco do debate nas eleições para a Assembleia da República que nos aguardam em 2009.

E, neste campo, o caminho a percorrer ainda é longo. Apesar de as previsões económicas, quer de origem nacional (por ex, a recente revisão do PEC) quer as apresentadas por organismos internacionais (por ex, o FMI – no passado mês de Outubro – ou as previsões económicas do Outono da OCDE – tornadas públicas em 7 de Dezembro último) coincidirem na indicação de que a taxa de desemprego terá atingido, durante este ano de 2007, o seu máximo recente (devendo reduzir-se, já durante o próximo ano), a evolução estimada é manifestamente insuficiente para a dimensão do problema. Há, portanto, ainda muito trabalho a fazer.

A esperada inversão do comportamento do desemprego é consequência da conjugação do processo de recuperação do investimento privado, em curso já há alguns meses, e do investimento público, cuja “regresso” o OE recentemente aprovado deixa adivinhar, com o abrandamento do processo de reestruturação do perfil produtivo da economia portuguesa (em consequência da deslocalização de empresas – e, mesmo, de sectores de actividade – a que se tem assistido em anos recentes).
 
Estas tendências, só por si, serão insuficientes para uma redução significativa do desemprego, no horizonte em apreciação. Por um lado, os seus efeitos positivos serão sempre limitados pela baixa qualificação dos recursos humanos disponíveis. Por outro lado, a sua concretização (pese embora uma componente de origem interna) está muito condicionada pelo desempenho económico dos nossos principais parceiros, tudo dependente da evolução da economia internacional (preço do petróleo e das matérias primas em geral, taxas de juro, desvalorização da moeda americana, continuação da crise da subprime, tudo com expectativas pouco favoráveis).

Com este pano de fundo, vale a pena reflectir sobre alguns aspectos do problema do desemprego em Portugal. Em primeiro lugar, consultando as estatísticas disponibilizadas no site do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, confirma-se a evidência de que, ao longo desta década, o desemprego tem aumentado, com especial incidência nas mulheres e nos maiores de 25 anos, acompanhado de um peso crescente do desemprego de longa duração.

Em Outubro, cerca de um em cada cinco desempregados tinham mais de 55 anos, pouco mais de um em cada dez procuravam o primeiro emprego, mais de um em cada três tinha como habilitações não mais do que o primeiro ciclo do ensino básico (mas, mais de um em cada dez tinha um curso superior e quase um em cada três tinham como, como formação, pelo menos o secundário). Cerca de 60% dos desempregados eram mulheres e 41% procurava emprego há mais de um ano.

Mas chamam também a atenção as disparidades regionais. No Norte sobressai o problema da baixa escolaridade e do desemprego de longa duração, no Centro é visível um problema de primeiro emprego de jovens licenciados – uma universidade isolada da realidade empresarial (?). Na área de Lisboa é mais sensível o problema dos desempregados na faixa etária superior a 55 anos e dos com formação média e, mesmo, superior, reflectindo muito provavelmente a importância da reestruturação e downsizing das grandes empresas. No Alentejo sobressai o problema do desemprego de jovens e da baixa formação e, no Algarve, é mais visível o problema dos jovens com formação escolar ao nível do secundário (pesando relativamente menos o desemprego de licenciados ou o de longa duração). Uma conclusão, para situações diferentes, deverão ser definidos instrumentos específicos, também diferentes.

Uma segunda reflexão, relativamente aos desempregados com um nível de escolaridade reduzida, com especial peso no Norte, Centro e Alentejo. Sendo as principais vítimas do processo de reestruturação industrial, poucas expectativas podem alimentar relativamente à recuperação económica anunciada, dada a sua baixa qualificação.

Há que encontrar alternativas em actividades viradas para o mercado interno, apoiar a iniciativa individual nomeadamente em actividades de carácter social, artesanal e regional. É importante redefinir os apoios sociais de modo a promover e facilitar essa reconversão, um modelo de crédito e uma fiscalidade adequados (tendo em vista que se trata de promover e apoiar, e não de “matar”, actividades de produtividade marginal ou quase, mas que criam auto-emprego e autonomia pessoal). Deste ponto de vista, torna-se difícil compreender alguns aspectos recentes da actuação da fiscalização económica, aparentemente desenquadrados do país real e dos seus problemas concretos...

Mas, de facto, não devemos esquecer que a verdadeira solução estrutural do problema em apreço está em pôr termo à reprodução permanente e continuada desta “especialização” de jovens sem formação, que já não é capaz de encontrar um lugar na Europa do sec XXI. Ou seja, na luta contra o abandono escolar, contra o baixo nível de exigência do sistema educativo e contra o seu “isolamento” da realidade social e empresarial do país ...

Uma outra reflexão, agora sobre o problema dos jovens licenciados. Terminado o tempo em que qualquer licenciado era, por definição, um professor do ensino secundário, terá de ser revista a continuidade de cursos sem reais saídas profissionais.

As universidades terão de desenvolver as suas redes de colocação de licenciados (e não apenas de obtenção de estágios). Redes de antigos alunos, feiras de emprego, redes empresariais de prestação de serviços, parcerias, desenvolvimento de projectos de investigação escola/empresa, etc. são instrumentos fundamentais para abrir o acesso ao mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, eliminar alguma relutância que ainda se encontra nas PME no que diz respeito à contratação de jovens licenciados.

Esta função deverá ser avaliada através da taxa de desemprego dos licenciados de cada especialidade ao fim de um e de três anos após terminada a licenciatura e este indicador incluído no sistema de avaliação dos cursos.

Mas, para jovens licenciados, um obstáculo real à obtenção do primeiro emprego é, de facto, o estar desempregado. Neste aspecto, os Serviços Públicos, ao recrutar periodicamente recém licenciados, foram a porta de acesso ao “desejado” primeiro emprego que possibilitou a “iniciação profissional” que, de seguida, abriu as portas do mercado de trabalho a milhares de jovens licenciados. E ajudou, também, à modernização de muitos Serviços.

De facto, uma função social do Estado, vítima da necessidade de eliminar o deficit orçamental, mas cuja existência terá de ser repensada.

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