Opinião
João António Tavares: «Modernização da nossa Administração Pública em tempos de contenção»
Portugal pode e tem que progredir, e a modernização da nossa Administração Pública é um elo fundamental (o mais fraco?) desse processo. E a estagnação económica ou a contenção das despesas públicas não podem ser desculpas.
Até ao final do ano de 2002, os cidadãos belgas terão acesso a um novo portal de serviços públicos federais na Internet, primeira etapa de um projecto a cinco anos, ambicioso, abrangente e transformador; aos imigrantes que chegarem à Austrália ser-lhes-á feita a inscrição fiscal em simultâneo com a concessão do visto de trabalho, caso curioso de cooperação e integração de sistemas entre diferentes departamentos; no Departamento de Emprego do estado norte-americano do Kansas um sistema de gestão de pedidos na internet, acompanhado de um centro de atendimento telefónico baseado em tecnologia IVR («Interactive Voice Response»), permitirá reduzir o tempo de processamento de cada pedido de 47 para 15 minutos (sim, o Kansas é no planeta Terra...).
Da leitura dos inúmeros projectos e iniciativas mais ou menos ambiciosas que vão sendo lançadas por esse mundo fora, de que os três exemplos acima são uma minúscula ilustração, somos confrontados com uma situação dinâmica em que, passo por passo, se vai transformando a forma como as administrações executam as suas funções e o modo como interagem com cidadãos e empresas; gradualmente, alteram-se tradições, evolui a cultura, modificam-se relações, quebram-se silos e tabus; todo o sector público, tal como a economia e a sociedade em que se insere, evolui para estádios civilizacionais mais avançados, num contexto de maior eficácia e maior eficiência, fortemente suportado em combinações tecnológicas diversas, umas bastante revolucionárias, outras nem por isso.
Esta evolução civilizacional na Administração Pública é obviamente desejável para Portugal e sobre isto existe considerável consenso, tal a importância relativa do sector na economia e na sociedade; mais eficácia (melhor serviço) e mais eficiência (fazer mais com menos despesa pública) são objectivos de uma normal e racional gestão, com efeitos benéficos múltiplos no progresso e no desenvolvimento do país e de quem nele vive e trabalha.
Independentemente da análise dos níveis de progresso nacionais, que conduz normalmente a uma discussão do tipo «garrafa meia vazia» ou «garrafa meia cheia», é sabido que atravessamos uma conjuntura algo depressiva e pessimista; esta situação decorre, em boa parte, de uma situação das Finanças Públicas que obriga a medidas de excepção, em que um dos mais relevantes exemplos é o adiamento ou a redução de muitos investimentos públicos, incluindo investimentos e despesas em sistemas e tecnologias da informação para modernização da Administração Pública.
Tempos de contenção, contudo, não têm que ser tempos de depressão e de pessimismo; não só porque são normais, entendidos os ciclos económicos num horizonte temporal alargado, como porque representam uma janela de oportunidade que deve ser aproveitada com inteligência, criatividade e muito pragmatismo.
Tempos de contenção podem e devem ser tempos de mobilização e de esperança. E quando se fala de modernização da Administração Pública há muita coisa para fazer, muita energia e capacidade para mobilizar, muito futuro para preparar, mesmo antes de se precisar de gastar dinheiro:
- É tempo de lançar projectos de concepção, de planeamento, de definição de caminhos e de estratégias; de definir formatos de cooperação entre departamentos e modelos de operação renovados; são projectos importantes, rápidos e...relativamente baratos.
- É tempo de, para as iniciativas já minimamente concebidas e estruturadas, lançar projectos-piloto, que testem conceitos e tecnologias, melhorem a moral e façam as pessoas e as organizações progredir ao longo dos seus normais ciclos de aprendizagem; são projectos importantes, rápidos e... relativamente baratos.
- É tempo de, também para iniciativas devidamente estruturadas mas cuja concretização carece inevitavelmente de investimentos significativos, equacionar alternativas de implementação diferentes, tais como parcerias público-privadas, projectos com gestão do tipo «project alliance», modelos com maior componente de «outsourcing», seja por design-build-run de sistemas informáticos, seja por aluguer de aplicações e serviços complementares (ASP – «Application Service Provider»), seja de qualquer outra forma, susceptível ou não de enquadramento em algum conhecido estereótipo.
E, escolhida a alternativa, é tempo de lançar os processos de aprovisionamento e de subsequente negociação contratual, sempre muito morosos e complexos neste tipo de casos, avançando no ciclo de concretização sem necessidades relevantes de financiamento.
Os recursos ainda assim disponíveis podem ser canalizados para as iniciativas estruturantes já em curso, cujos benefícios importa não pôr em causa (de facto, quando um projecto de tecnologia em curso é atrasado ou perturbado, normalmente os seus custos finais disparam e os benefícios esperados saem gravemente prejudicados), bem como para manter oleada a «máquina» operacional da Administração Pública, quer nos sempre críticos sectores da receita (com destaque para as Finanças e Segurança Social) quer nas vertentes de impacto social mais evidente (com destaque para a Saúde, Educação, Segurança Social e Justiça).
Portugal pode e tem que progredir, e a modernização da nossa Administração Pública é um elo fundamental (o mais fraco?) desse processo. E a estagnação económica ou a contenção das despesas públicas não podem ser desculpas. Se os ventos não são favoráveis, navega-se à bolina, mas progride-se. E afinal, não somos nós um país de bons velejadores?
João António Tavares
Partner da Accenture
Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia