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04 de Setembro de 2012 às 23:30

Ilusões francesas

Tive um colega anarquista em Oxford que quando chegou disse ao criado da casa onde vivíamos que não havia cá "Sir" nem meio "Sir", um era Peter, o outro Ray, iriam tratar-se os dois por tu – e não lhe deu a gorjeta da praxe. Nunca teve o chá a horas nem as calças engomadas.

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Os franceses não escolheram François Hollande por o quererem para Presidente; escolheram-no porque queriam correr com Nicolas Sarkozy. Passado o inebriamento socialista, expresso inter alia pelo regresso à reforma aos 60 anos numa variedade de casos e em outras medidas que anulam ou contradizem decisões modernizadoras tomadas pelo Presidente corrido; passadas também as sagradas férias de Verão, os franceses por um lado e François Hollande por outro, talvez comecem a acordar – pelo menos a queda do Presidente em popularidade foi de 11 pontos, um recorde após só 3 meses de mandato. Mas o sono - ou melhor o sonho - de que todos deveriam despertar tem mais de trinta anos e sabe-lhes tão bem que estão a acordar dele a contragosto e de mau modo, a começar pelo próprio Presidente (engordou, não é bom sinal). Além disso, para marcar diferença do seu predecessor, tanto se quer comportar como um "presidente normal" – o termo é invenção dele - que a pouco e pouco os franceses lhe irão perdendo o respeito.

Há já quatro Presidentes, antes e depois da invenção do euro, que todos os anos as contas da República são fechadas em deficit. Com o país tanto tempo a viver acima das suas posses a dívida francesa assusta e o número de três milhões de desempregados atingido este Verão assusta também. Como Sarkozy percebera, chegou a hora da verdade. Mas meter isso na cabeça de um povo arrogante, sibarita e rezingão – que gosta de contar entre as suas horas de glória a decapitação do Rei em 1793 – vai ser o cabo dos trabalhos. Aliás, na última campanha eleitoral, quer Hollande quer Sarkozy evitaram deliberadamente dizer aos franceses as dificuldades em que o país está e o preço a pagar para as pôr no são. Vista de fora, dir-se-ia uma campanha dirigida por sonâmbulos. (Que me lembre, de resto, nos últimos 30 anos houve apenas dois candidatos à presidência da República que tentaram explicar aos eleitores a camisa de onze varas de onde insistiam em não querer sair – Raymond Barre em 1988 e François Bayrou em 2007 e 2012. Nenhum deles passou à segunda volta).

Do ponto de vista da Europa, a eleição de Hollande foi boa porque deu peso à posição dos que explicam à Alemanha que o remédio dela para a crise mataria o doente antes de curar a doença. Berlim parece, por fim, ter começado a perceber. Do ponto de vista da França, um cúmplice bem-disposto da reforma aos 60 anos e das 35 horas de trabalho semanal não será o timoneiro ideal na rota de redução de privilégios que precisa para levar o barco a bom porto.

Sobretudo se continuar com a mania de ser um "presidente normal". Não é isso que o povo quer. Tive um colega anarquista em Oxford que quando chegou disse ao criado da casa onde vivíamos que não havia cá "Sir" nem meio "Sir", um era Peter, o outro Ray, iriam tratar-se os dois por tu – e não lhe deu a gorjeta da praxe. Nunca teve o chá a horas nem as calças engomadas. Se o Presidente for igual a mim porque carga d’água hei-de lhe obedecer?


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