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16 de Maio de 2002 às 11:44

Horácio Piriquito : «Quem está a mexer no meu queijo? »

Alguém começou a mexer no queijo! Mas o queijo precisava de ser mexido. Os «ratinhos» estavam a ficar acomodados, gordos e abastados. E quando se está acomodado o pior cenário é a sensação de mudança, seja ela qual for.

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Durante os seis anos de governação PS a sociedade, a economia e as empresas ganharam vícios perigosos, funcionaram num contraciclo de ilusão e instalou-se um ambiente de facilitismo que vai sair muito caro nos próximos tempos. Os portugueses já se aperceberam disso. Enquanto as economias, as empresas e a gestão por todo o mundo desenvolvido reforçaram nos últimos anos a consistência ao nível do rigor, da exigência e da transparência, em Portugal o caminho foi exactamente o inverso: desleixo, comodismo, facilitismo e subserviência. Os sinais duradouros enviados do anterior Governo lançaram os portugueses num ambiente degradante que deixou um rasto perigoso. Durante seis anos, preferiu-se as vantagens do «guichet» estatal, feito de ilusão, facilitismo, consumismo e subsidiodependência.

O Governo de António Guterres estimulou e fez aumentar as filas de expectativas. E, claro, a natureza humana prefere sempre a facilidade. É muito mais fácil encaminharem-se os esforços para a tranquilidade do «guichet» estatal onde se recebem benesses, e aguardar tranquilamente na fila, do que suportar o esforço da concorrência, da competitividade e da criatividade.

A passagem de poder do PS para o novo Governo de centro direita está a provocar uma tensão enorme na sociedade portuguesa. Primeiro porque se vivia calmamente na fila para o «guichet», sem preocupações e aguardando a hora da benesse. Segundo, porque a postura do novo Governo está a apontar muito mais para o encerramento implacável do «guichet» provocando na fila de espera um desnorte típico dos formigueiros à deriva. E, terceiro, a mudança de atitude aumenta a insegurança das pessoas e provoca intranquilidade em relação ao futuro. Daí as reacções intempestivas que estão a crescer na sociedade, onde o revolucionário e inconsistente protesto na RTP é, até agora, o símbolo máximo.

Alguém começou a mexer no queijo! Mas o queijo precisava de ser mexido. Os «ratinhos» estavam a ficar acomodados, gordos e abastados. E quando se está acomodado o pior cenário é a sensação de mudança, seja ela qual for. Os agentes económicos deleitavam-se com a «simpatia» governamental. Tudo era fácil e tranquilo. O consumismo fez a felicidade de manchas enormes da população sedentas de qualidade de vida; as empresas engordaram por conta dos subsídios e dos juros baixos; a banca ajudou à festa com uma dinâmica tremenda na caça ao cliente a qualquer preço; as telecomunicações marcaram novos ritmos e estilos de vida; a distribuição modernizou-se e criou novas necessidades e novos alvos na vida das pessoas; os mercados da habitação e automóvel incharam a auto estima e atingiram performances nunca igualadas.

Afinal, o Governo socialista não estava mais que a comprar a sua popularidade ao abrigo de uma denominada «consciência social». Daí a necessidade urgente de contenção e rigor. O que se pede ao Governo é que dê às pessoas e às empresas a ideia clara que o «guichet» vai encerrar. Mas encerrar mesmo. E que o queijo vai ser mexido. Porque a pior coisa que poderia acontecer era o Governo tentar fechar o «guichet», mas deixar uma greta aberta! E há muita gente na esperança de que o «guichet» não se feche totalmente.

A classe empresarial é aquela que mais rapidamente necessita de saber pensar e sobreviver à margem do paternalismo do Estado. Mas também há culpas dos políticos nesta matéria, porque continuam a querer influenciar e controlar a comunidade empresarial e a promover a subsidiodependência.

Os gestores profissionais, ao contrário dos patrões, parecem seguramente mais consistentes e «modernizados». Até porque não é verdade que os gestores portugueses tenham tantos defeitos como dizem os seus colegas estrangeiros. Provavelmente, os gestores estrangeiros em Portugal passam tanto tempo a jogar golfe que não têm oportunidade para avaliarem as verdadeiras competências do produto nacional. Por isso, devemos desculpá-los. Mas devemos também reconhecer que em nenhuma outra economia europeia os ciclos politicos, ao nível da gestão, influenciaram de forma tão marcante a lógica empresarial, a racionalidade e a competência.

Portugal, durante o século XX, teve 50 anos de gestão «corporativa» e mais 20 anos de gestão «estatizante». Foram pelo menos 70 anos de degradação e de negação de tudo o que se aprende nas escolas de gestão e economia. A gestão de «fabrico» nacional foi «produzida» nos ultimos vinte anos num percurso inconsistente e tumultuoso. Até ao início dos anos 90 apenas existia em Portugal a classe dos gestores publicos que tinha sucedido à classe dos gestores «corporativos».

Os primeiros geriam numa lógica estatal e politica, com dinheiro ilimitado e sem racionalidade. Os segundos geriam sem concorrência, com arrogância, protecção governamental e vantagens que adulteravam o mercado. O impacto da integração europeia a partir de 1986, o fim das fronteiras em 1993 e a abertura dos mercados é que introduziram em Portugal uma lógica de mercado e de concorrência foi alterando as coisas. Foi dificil o percurso até se consolidar em Portugal uma nova geração de gestores. Mas as coisas mudaram nos ultimos anos. Chegou ao poder nas empresas uma geração mais qualificada e mais capaz de afrontar as dificuldades. Podem mexer-lhes no queijo, mas eles não morrem! Podem fechar-lhes o «guichet», mas eles sobrevivem! O Governo pode e deve mexer no queijo à vontade.

Comentários para o autor para horaciopiriquito@vizzavi.pt

Artigo publicado no Jornal de Negócios

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