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11 de Junho de 2004 às 17:11

Fora de Jogo

O lado bom do Euro está nas bandeiras portuguesas desfraldadas às janelas. Dá-nos sentido de comunidade.

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Agora, que o Euro vem aí, vou aproveitar para telefonar à minha tia, com quem não falo há tanto tempo. O que tem uma coisa a ver com a outra? É... realmente, assim, de repente, não vejo muita relação entre o Euro e o telefonema à tia... mas há de haver algum sentido nisso... o mesmo que há de haver (e que agora me escapa) no facto de o Sindicato dos Professores pretender aproveitar o Euro para distribuir, entre os adeptos que vierem ao campeonato, folhetos denunciando as péssimas condições salariais em que dizem viver.

De facto, não há quem, em sã consciência, possa acreditar que, alertados para as más condições salariais dos professores portugueses, os adeptos alemães, franceses ou ingleses interrompam os gritos pelos seus jogadores e comecem a gritar palavras de ordem contra o ministro da Educação e em defesa dos docentes lusos, ou que, terminado o campeonato, voltem para os seus países dispostos a se concentrar em frente às representações diplomáticas de Portugal com cartazes de apoio à luta dos professores portugueses.

Pessoalmente, duvido que haja mais do que dez adeptos que leiam os folhetos até ao fim e que algum deles faça algum gesto mais digno de nota do que deitá-lo ao lixo (temo que a maioria vá parar mas é mesmo no chão).

Mas também não acredito que o Sindicato tenha semelhantes expectativas. Mais plausível é que o jogo aí seja de pura e simples intimidação: "vamos contar a toda a gente...".

Até me parece legítimo que uma classe profissional que se julgue ultrajada nos seus salários (e não duvido que os professores se enquadrem nesse cenário) use a denúncia como forma de pressão. O que me causa estranheza é o "público alvo" escolhido pelos professores. Das senhoras e senhores que nos educam - ou melhor, do Sindicato que os representa - esperar-se-ia maior sentido de pertinência.

De resto, essa é só mais uma das muitas cenas que revelam a supervalorização do Euro - e do futebol - na vida dos portugueses. Outra, espantosa, foi vista na cobertura da SIC Radical (erhc!...) do Rock in Rio. A repórter, em referência ao "slogan" do festival, perguntou ao rapaz do público: "O que você faria por um mundo melhor?". E ele, depois de pensar um bocado: "Poria o Benfica campeão europeu".

Há três opções: ou o rapaz é um céptico irónico que, ao seu modo, pretendeu dizer que não acredita em nada a não ser que nada há a fazer por este mundo perdido ou, ao contrário, é um iludido feliz que julga que o mundo está tão bom, tão bom, mas mesmo tão bom, que só faltava o Benfica ser campeão europeu para ficar melhor ou, o que temo ser mais plausível - e aplicável a muitos além do referido rapaz (quem sabe se não a este ente colectivo a que se costuma chamar de Portugal) -, sofre de monomania aguda.

PS: O lado bom do Euro está nas bandeiras portuguesas desfraldadas às janelas. Dá-nos sentido de comunidade.

PPS: Já que somos tão orgulhosos da comunidade que se expressa na bandeira, que tal começarmos a tratar o que é de uso comum (os passeios públicos, por exemplo) como bens comuns, de uso colectivo, e não como algo privado (como um parque de estacionamento particular, por exemplo)?

PPPS: Viva Portugal! ("Força Portugal", não! Mesmo - ou principalmente - se eu fosse o mais entusiástico militante do PSD).

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