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22 de Janeiro de 2007 às 13:59

Em busca de novas especiarias

"Já sois chegados, já tendes diante a terra de riquezas abundante!" Esta estrofe do Canto VII de Os Lusíadas serve para descrever na perfeição as expectativas da comitiva que acompanhou o Sr. Presidente da República, Cavaco Silva, na sua visita oficial à

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Mesmo correndo o risco de escrever ainda aturdido pelas paisagens, cambiantes, aromas e emoções que ressumam de tão fascinante país, gostaria aqui de deixar as minhas primeiras impressões da viagem.

"Sabei que estais na Índia, onde se estende / Diverso povo, rico e prosperado / De ouro luzente e fina pedraria / Cheiro suave, ardente especiaria" (Os Lusíadas, Canto VII). Assim descreveu igualmente Luís Vaz de Camões as "terras Indianas do Oriente", tendo como pano de fundo a chegada de Vasco da Gama a Calecut, em 1498. E não será exagero dizer-se que a Índia, mais de quinhentos anos depois, conserva o mesmo enlevo. Durante a visita, a comitiva portuguesa foi perpassada por um caudal de emoções que dificilmente se apagará da memória e que teve o condão de ter reavivado em nós, portugueses, o orgulho de termos, de facto, dado "novos mundos ao mundo".

Mas fugindo ao sempre movediço terreno das emoções, importa reconhecer que a Índia actual é uma lição e uma oportunidade para Portugal e para a Europa. Com os seus 1100 milhões de habitantes, o subcontinente asiático assenta a sua força económica sobretudo na grandiosidade do mercado interno, na dinâmica do sector dos serviços e nos produtos de alta tecnologia. Por conseguinte, o "elefante emergente" prepara-se para saltar a revolução industrial e aterrar directamente na Economia do Conhecimento, colocando-se assim na vanguarda da globalização económica que estamos a viver.

A Índia deverá tornar-se a terceira maior potência económica em 2032, ultrapassando a Itália em 2016, a França em 2019, a Alemanha em 2023 e o Japão em 2032. É, aliás, de prever que registe, em 2007, a maior taxa mundial de crescimento económico (quase 10%). De resto, o subcontinente asiático tem sobre a China, outra potência emergente, as vantagens de ser uma democracia, a sua população dominar o inglês, possuir uma classe média de 300 milhões de pessoas, apresentar (apesar da pobreza ostensiva de largas franjas da sociedade) um menor nível de desigualdades sociais e basear o seu modelo económico, não na produção industrial mal qualificada, mas sim em produtos e serviços de alta tecnologia. Para se ter uma ideia de como a Índia está a avançar para a Economia do Conhecimento basta acrescentar que, neste país, funcionam 380 universidades e 1500 centros de investigação!

Neste contexto, Portugal poderá ter, como agora se diz, uma janela de oportunidade para equilibrar as relações comerciais com a Índia, que é o nosso 33º fornecedor mas apenas o 52º cliente. Os laços históricos com a Índia não estão totalmente esmorecidos e os traumas resultantes da invasão de Goa, Damão e Diu em 1961 parecem ultrapassados. Refira-se, a propósito, que as notícias veiculadas em Portugal sobre o incidente envolvendo o doutoramento honoris causa de Cavaco Silva tiveram uma dimensão bastante superior à dos factos em si, tanto assim que a manifestação dos (poucos) estudantes indianos passou despercebida aos membros da comitiva nacional.

Ainda no que concerne a oportunidades para Portugal, acresce que a língua lusa tem suscitado o interesse de sectores empreendedores da sociedade indiana, que nela vêem um instrumento para estreitar relações, designadamente económicas, com Brasil e Angola, podendo o nosso país beneficiar também deste intercâmbio, dado o entendimento privilegiado que mantém com os dois países lusófonos. Por último, verifica-se uma crescente apetência de Portugal pelas novas tecnologias, o que poderá alargar os horizontes de cooperação empresarial com a Índia.

Não é por isso de estranhar que Cavaco Silva tenha centrado a sua visita oficial à Índia nas questões económicas, tendo em todas as intervenções apelado ao fortalecimento empresarial entre os dois países. Até numa nota menos protocolar, não se coibiu de pedir directamente aos responsáveis da INFOSYS a criação de estágios e postos de trabalho para os "excelentes" quadros portugueses. Aliás, o Chefe de Estado deslocou-se a Bangalore (o chamado Silicon Valley indiano) para falar na abertura do prestigiado fórum económico "Partnership Summit 2007", onde foi dado grande destaque ao nosso país e apresentado um excelente vídeo promocional de Portugal, produzido pelo ICEP e ao qual assistiram 1200 delegados de 26 países.

É de salientar, igualmente, o notável trabalho de diplomacia económica desenvolvido pelos responsáveis do ICEP e da API, em particular o presidente deste organismo, Basílio Horta, que não perdeu a oportunidade de "vender bem" Portugal, tanto nos discursos oficiais como à mesa com responsáveis indianos. Nos repastos e outras cerimónias, Basílio Horta encaminhava deliberadamente a conversa para os temas que os membros da comitiva portuguesa haviam sugerido que fossem abordados com altos dignitários indianos.

Convém, no entanto, não embarcar em entusiasmos desmedidos. Portugal chegou notoriamente atrasado à Índia, tanto assim que esta foi a segunda visita de um Chefe de Estado português ao território. Aliás, no plano político, nunca um primeiro-ministro português se deslocou oficialmente à Índia e poucos ministros o fizeram. Já no plano económico, Portugal tem de competir com países como os EUA e o Reino Unido, por exemplo, que há muito investem na economia indiana e mantêm fortes relações bilaterais entre empresas e centros tecnológicos.

Por conseguinte, resta-nos ter esperança numa reacção proactiva dos empresários portugueses perante as oportunidades do mercado indiano e esperar que, na visita bilateral prevista para Novembro, o primeiro-ministro José Sócrates, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia e da respectiva cimeira com a Índia, saiba prosseguir com igual proficiência o caminho desbravado por Cavaco Silva. Seria mais um ponto a favor da propalada "cooperação estratégica" entre Belém e São Bento?

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