Opinião
CRM porque te quero tanto?
O sucesso da implementação de um programa de CRM nunca será possível se este for limitado apenas a algumas áreas da empresa.
Joaquim Hortinha, Professor Universitário
No artigo ‘CRM para que quero?’ (http://www.e-marketinglab.com/crm_para_que_te_quero_jnegocios.html), publicado no Jornal de Negócios em 9 de Janeiro de 2003, foi abordado o tema do CRM sob o ponto de vista de quem o vende e de quem o compra. Deixou-se no ar a interrogação sobre a necessidade ou não de as empresas aderirem a um sistema de CRM.
Neste artigo pretende-se desmistificar um pouco mais este assunto, através da identificação de um conjunto de abordagens possíveis e de um conjunto de linhas condutoras, para apoio às empresas que decidirem avançar com a implementação de um programa de CRM.
Diferentes abordagens
Um estudo recentemente realizado pelo professor George Day da Universidade de Wharton, junto de 342 Gestores de grandes e médias empresas de sectores tão diferentes como, as utilities, os transportes, o retalho, o sector financeiro e o imobiliário, permitiu identificar três abordagens do CRM .
1ª Orientação para o mercado. Nesta abordagem o CRM é um elemento fundamental de uma estratégia focada na entrega de elevado valor ao cliente. Esta estratégia assenta em elementos como um serviço de excepção e um esforço contínuo para satisfazer todas as necessidades e desejos do cliente;
2ª Foco na comunicação interna. Nesta abordagem são desenvolvidas acções com vista a uma melhor organização interna da informação, de forma a reduzir o custo dos serviços, ajudar as equipas de vendas a conseguir fechar negócios mais rápido e desenvolver acções de marketing mais adequadas ao target.
Esta é talvez a abordagem que dá origem a um maior número de implementações de CRM. No estudo referido, em 20% dos casos, a implementação de programas de CRM veio piorar a comunicação interna.
Isto pode acontecer, por exemplo, no caso em que tenho uma aplicação de gestão do serviço a clientes, que tem vindo a conhecer sucessivos upgrades nos últimos anos e que todos os funcionários conhecem.
Uma migração para um sistema de CRM sofisticado, difícil de instalar, com alguns ‘bugs’ e para o qual os funcionários da empresa ainda não tiveram formação, então certamente os níveis de qualidade de serviço irão baixar. Segundo o mesmo estudo, é bastante elevado o número de casos de insatisfação de empresas que implementaram o CRM tendo como foco a comunicação interna, o que se pode justificar pelo facto de esta abordagem ter como principal motivação a resolução dos problemas da empresa e não dos problemas dos clientes.
3ª Foco em acções defensivas. Tem por base o recurso a acções como sejam, programas de fidelização baseados na redenção de pontos em programas de passageiro frequente. A actividade de CRM de 18% dos inquiridos no estudo tem por base esta orientação. Nestas empresas toda a gente, desde a área financeira até à área de marketing, está preocupada com o cliente e faz deste a sua prioridade.
Integrar é vencer
O sucesso da implementação de um programa de CRM nunca será possível se este for limitado apenas a algumas áreas da empresa. Para um desempenho de elevada qualidade, um programa de CRM deverá integrar três componentes:
1ª Uma orientação para a organização, que faça da retenção do cliente uma prioridade e que dê aos empregados liberdade de acção para conseguir a sua satisfação;
2ª Informação sobre os relacionamentos, incluindo dados relevantes sobre o cliente e os Sistemas de Informação necessários à sua partilha dentro da organização;
3ª Configurar a organização no sentido da construção de um relacionamento com o cliente, o que pode ser conseguido através de incentivos, indicadores e estruturação adequada.
Por exemplo, relativamente poucas empresas colocavam a satisfação do cliente e a sua retenção, como factores a ter em conta na avaliação de performance dos seus Recursos Humanos. Metade delas nem sequer lhes fazia referência. Contudo, por exemplo, a Siebel (www.siebel.com) é obsessivamente focada na satisfação do cliente, fazendo depender desta, em 50%, o incentivo dos ‘top managers’ e em 25% o dos vendedores.
Organizar para ter sucesso
As abordagens tradicionais à questão do CRM têm vindo em parte a demonstrar alguma ineficácia, traduzida na insatisfação de um número significativo de empresas que adquiriram programas deste tipo. De modo a retomarem esses programas ou a iniciar novos, as empresas podem basear-se em três princípios base:
1º Utilizar a experiência do cliente como base da criação de valor para a marca, recorrendo, não só às habituais ferramentas de comunicação de massas, como também e sobretudo a uma politica de satisfação total na interacção do cliente com a empresa e com os seus produtos e serviços através dos diferentes canais de distribuição;
2º Tornar o contributo do cliente na base do seu tratamento, em que cada contacto, que este tem com a empresa, deve contribuir para aumentar a sua satisfação;
3º Planear o CRM de forma pragmática, tendo em conta os aspectos financeiros e o risco de entrega. Deve evitar-se que o CRM seja um Roll-Royce e faça incorrer a empresa em custos demasiado elevados em termos de processo de gestão de clientes.
Estes três princípios base permitem identificar um conjunto de passos a seguir no planeamento e construção de um processo de CRM:
1º Definir a estratégia. Os investimentos em CRM devem ter origem numa perspectiva estratégica e não na necessidade de aquisição de uma nova ferramenta informática de gestão de clientes. Esta estratégia permitirá identificar as necessidades reais em termos de CRM, reduzindo os custos;
2º Recolher informação sobre o cliente. Este aspecto é fundamental para compreender as necessidades do cliente e prever o seu comportamento futuro. Da análise da informação recolhida resultará a definição da forma como a empresa irá interagir com o cliente no futuro, por exemplo em termos da construção do marketing-mix;
3º Retirar valor de cada contacto dos clientes, através da máxima satisfação em todas as interacções com a empresa;
4º Criar uma maior interligação entre CRM e marketing. Enquanto no passado o foco do CRM estava na venda e no serviço, remetendo para segundo plano os aspectos de marketing, numa nova filosofia, estes têm um papel preponderante, permitindo o fecho do ciclo em termos de informação sobre o cliente, bem como uma melhor organização da função de marketing.
Em resumo, é preciso desmistificar afirmações como ‘O CRM é muito caro’, ‘O CRM é só para as grandes empresas’ ou ‘O CRM é muito difícil de implementar’. Cada empresa é um caso diferente e se começarmos por respeitar os princípios base e os passos apontados, pode implementar-se um programa de CRM de sucesso, sem correr o risco de estar a criar um ‘elefante branco’ na empresa.
Joaquim Hortinha
Professor Universitário
Autor do livro X-Marketing
Artigo publicado no Jornal de Negócios