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16 de Novembro de 2006 às 13:59

As eleições nos Estados Unidos e os reflexos na política externa europeia

O resultado das eleições norte-americanas representa primacialmente uma rejeição da política externa da Administração Bush no Iraque. Após 12 anos de domínio do Senado e da Câmara dos Representantes ...

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Após 12 anos de domínio do Senado e da Câmara dos Representantes pelos republicanos, estes e especialmente o Presidente dos Estados Unidos, vão ter que fazer concessões ou mesmo dobrar-se à vontade da maioria democrática que defende a fixação de um calendário para a retirada, no período máximo de dois anos, dos cerca de 140 mil soldados americanos que se encontram em território iraquiano.

O primeiro sinal foi, desde logo, a substituição de Rumsfeld pelo ex-presidente da CIA Robert Gates, mais moderado e conciliador que o seu antecessor, o que dará também a Condoleeza Rice, que pertence a uma ala mais realista, maior capacidade de manobra diplomática.

É verdade que o Presidente Bush continua a ser o comandante supremo das Forças Armadas e mantém o poder de determinar a política externa dos Estados Unidos, no entanto, para isso precisa de um orçamento bélico não negligenciável que tem de ser aprovado pelo Congresso, o que dificilmente será conseguido nos moldes actuais expressos na orientação da maioria democrática.

Entretanto Tony Blair, o tenor europeu da Política Externa da União, nem sempre afinado com o restante coro dos outros Estados membros, não perdeu tempo para intervir e fazer a sua interpretação dos resultados eleitorais, preconizando, desde logo, uma estratégia global para o Médio-Oriente com o envolvimento da Síria e do Irão, exortando este último a cessar a sua ajuda ao terrorismo no Líbano e no Iraque, e a respeitar as suas obrigações internacionais, sob pena de sanções isolacionistas.

Todo este xadrez político complexo porque se baseia em equilíbrios muito frágeis e ancorados numa enorme imprevisibilidade, precisa, por isso mesmo, de uma concertação ao nível europeu e não de posições soberanistas e seguidistas como as do primeiro-ministro britânico, não obstante a sua afirmação, para europeu ver, de que o Reino Unido deve estar no centro da Europa, porque esta lhe confere peso e força.

É, com efeito, difícil esquecer que foi uma posição deste tipo que conduziu a uma fractura da União no âmbito da sua suposta Política Externa e de Segurança Comum, cuja cicatrização ainda não está completamente feita, com Rumsfeld na altura a deitar em cima ácido sulfúrico na tristemente conhecida dicotomia entre a nova e velha Europa.

Como refere o especialista em ciência política, Pascal Boniface, apesar de tudo é preferível uma Europa dividida que uma Europa dominada, que teve o mérito de revelar as diferenças que estão para além da diplomacia francesa e alemã e do alinhamento cego e incondicional britânico.

Por isso, não deixa de ser estranhamente preocupante que ninguém ao nível da União Europeia reaja de forma concertada, e se ouça apenas um silêncio ensurdecedor, dado que a questão não é susceptível de ser resolvida com simples unilateralismos, como até mesmo os próprios americanos perceberam e como se pode deduzir através dos últimos resultados eleitorais.

A questão do Iraque, ou de forma mais alargada daquela zona do globo, carece de posições consensuais, antes de mais ao nível da União Europeia, da Nato e seguramente no âmbito das Nações Unidas. É que o problema é demasiado complicado para permitir que um ou dois líderes mundiais tomem sozinhos resoluções sobre uma questão que ameaça a paz mundial, uma vez que envolve uma eventual deriva do Irão em direcção ao nuclear.

Infelizmente, continuamos a assistir a posições tomadas isoladamente pelo eixo atlantista na ilusão de uma relação especial, o que prova que a União Europeia, apesar de ser uma organização adulta, continua ferida de uma enorme imaturidade e prefere continuar a discutir o sexo das reformas institucionais a discutir questões essenciais do seu futuro comum em matéria de uma paz que não é evidente que continue a ser duradoura.

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