Opinião
A quem interessa enfraquecer as associações?
No último artigo aqui publicado abordei o papel do movimento associativo na dinâmica social do país, sublinhando que as associações devem assumir um modelo de actuação focado não apenas nos seus shareholders mas, sobretudo, nos seus stakeholders. Ou seja,
Devem, isso sim, actuar tendo em linha de conta todos os que na comunidade são, directa ou indirectamente, influenciados pela sua intervenção pública.
Creio que, na generalidade dos casos, as associações empresariais têm vindo a abrir o seu leque de actividades e competências à sociedade como um todo, não deixando, naturalmente, de dedicar uma atenção especial aos seus associados e respectivos interesses. Mas, de uma maneira geral, assistimos, de forma progressiva, à consolidação de um movimento associativo aberto, multidisciplinar, com consciência cívica e do interesse nacional. De resto, essa amplitude e proficuidade de actuação foram até aqui reconhecidas pelo Estado português, ao consagrar linhas de financiamento, nos quadros comunitários de apoio, à dinamização das estruturas associativas. O Estado, e muito bem, considerou que a intervenção das associações era de manifesto interesse público e passível de contribuir para o desenvolvimento do país.
Neste sentido, prevalecia a noção de que, em larga medida, as associações estavam a desempenhar funções que deveriam ser supridas pelo Estado, como a promoção da iniciativa empresarial, a internacionalização da economia portuguesa, o reforço de sectores económicos estratégicos ou a prestação de serviços às empresas em áreas como a formação profissional, a qualidade, as novas tecnologias, o ambiente, o desenvolvimento de negócios ou o seu financiamento. Ora, se as associações se encontravam de facto a substituir o Estado, nada mais justo que este as apoiasse financeiramente, acautelando, como é óbvio, a correcta aplicação do dinheiro público.
Este foi o entendimento dos decisores públicos até há bem pouco tempo. Não deixou, por isso, de causar espanto a decisão governamental de não incluir no QREN quaisquer medidas de apoio ao associativismo. Ao arrepio do que tem sido a evolução das estruturas associativas no sentido de uma maior profissionalização das actividades, rigor contabilístico e abertura à sociedade, o Estado vem agora recusar uma via de financiamento que é perfeitamente justificada e legítima.
Note-se que o dinheiro comunitário que o Governo quer hoje subtrair às associações é para continuar a engordar a máquina do Estado – alguns serviços públicos distantes das empresas e da economia, cuja incapacidade para interpretar a realidade socioeconómica é sobejamente conhecida – sem pesar nas contas públicas. Ou seja, o Executivo vai buscar a Bruxelas aquilo que já não pode aumentar no Orçamento do Estado ou que dá muito nas vistas. É outra forma de controlar o défice público, depois de esgotado o recurso ao agravamento fiscal sobre cidadãos e empresas. Mais: este corte foi realizado sob o argumento de que as associações utilizavam as verbas comunitárias para seu próprio funcionamento e não em prol da coisa pública. Trata-se de um argumento falacioso, porque desvaloriza a actividade quotidiana das associações e, sobretudo, o seu reflexo sobre terceiros.
Se me é permitido um exemplo em causa própria, a ANJE é procurada diariamente por jovens à procura de informação e aconselhamento em matérias como a criação de empresas, o início da actividade profissional, os licenciamentos comerciais, a identificação de oportunidades de negócio ou os incentivos ao investimento. E uma prova da proficiência do desempenho da associação neste domínio (2864 atendimentos de Janeiro a Outubro de 2007) é que alguns institutos públicos, como o IAPMEI e o IEFP, numa conjugação de esforços que deve ser enaltecida, encaminham para a ANJE as pessoas que solicitam informação sobre as questões acima referidas. É que, ao contrário dos serviços públicos que apenas esclarecem sobre os seus próprios programas, na ANJE procuramos orientar os interessados de acordo com a sua necessidade (procura) e não pela perspectiva da oferta, evitando assim a entropia informativa. Neste quadro, é de esperar um aumento significativo de atendimentos ao público com as candidaturas ao QREN. Ora, deve a ANJE deixar de prestar este importante serviço gratuito? Deve disponibilizá-lo apenas aos seus associados ou passar a cobrar pelo serviço? Não seria legítimo estabelecer um protocolo com o QREN que permita contrapartidas financeiras susceptíveis de pagar os recursos que a associação afecta a essa função?
Não se pense, no entanto, que defendo uma atitude passiva das associações no que toca ao seu financiamento. As estruturas associativas devem procurar gerar receitas próprias e, assim, aumentar a respectiva autonomia financeira em relação ao Estado, até para que a sua capacidade crítica e interventiva não seja coarctada. Por outro lado, é saudável uma certa competitividade entre associações e outros organismos na angariação de apoios financeiros, pois a concorrência eleva necessariamente a qualidade das candidaturas e garante uma melhor execução dos objectivos propostos. Por conseguinte, tenho bastante dificuldade em aceitar a imagem estereotipada das associações com uma mão estendida perante o Estado e o cassetete na outra. Desde logo porque a pulverização de associações reduziu a capacidade reivindicativa de cada uma delas, uma vez que o Estado tem agora mais opções de escolha e mais facilmente pode favorecer a agenda de determinadas organizações em detrimento de outras.
Também não aceito que o mesmo dinheiro comunitário que permite ao Governo modernizar a administração pública adquira, mal entra nas contas das estruturas associativas, o estigma do desperdício e da lassidão administrativa. O financiamento do Estado deve ser encarado sem dramas, desde que obedeça a critérios rigorosos. Ora, cabe ao Estado separar o trigo do joio, ou seja, avaliar que associações devem ser apoiadas porque a sua actividade é relevante para a sociedade e que associações não merecem tal juízo, designadamente porque se limitam a uma intervenção meramente corporativa e, por isso, é justo que seja a respectiva corporação a custear o seu financiamento.
Não procedendo desta maneira, o Estado está a cercear a actividade de estruturas associativas extremamente válidas para o país, acabando por pagar o justo pelo pecador. Por outras palavras, as associações que cumpriam as obrigações inerentes ao financiamento público que lhes era atribuído são agora prejudicadas pelas suas congéneres que manifestamente não o faziam. E isto conduz ao progressivo enfraquecimento do movimento associativo, enfraquecimento esse que serve para diminuir a capacidade de intervenção da sociedade civil e, consequentemente, para uma maior centralização de poderes na esfera governamental. A quem interessa isto?