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Opinião
07 de Junho de 2006 às 13:59

A «opção Nuclear». Algumas reflexões (II)

Na semana passada apresentámos algumas reflexões sobre os aspectos económicos, o lado «soft» e, ao que parece, o lado mais favorável, da opção nuclear.

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Iremos hoje reflectir sobre algumas questões fundamentais do lado «hard» , ao que parece o menos favorável, desta opção - os problemas da segurança.

Qualquer reflexão séria sobre a segurança de uma central nuclear tem de afastar, desde logo, o «espectro de Chernobyl». Tratou-se, neste caso, de uma condução «deliberada», embora certamente inconsciente, em direcção à tragédia numa instalação nuclear construída de acordo com padrões de segurança manifestamente insuficientes e inaceitáveis no contexto das normas de segurança em vigor na UE.

Os níveis de segurança de uma central nuclear são hoje apenas comparáveis aos da moderna aviação comercial. Nos dois casos, acidentes de gravidade estão associados a probabilidades muito reduzidas, quase nulas, sendo certo que a possibilidade de desactivar progressivamente os sistemas associados aos sucessivos níveis de segurança está totalmente «bloqueada».

No entanto permanece fora do campo de análise racional da engenharia o factor «aleatório/desconhecido» de maior complexidade, o terrorismo. Ou seja, o 11 de Setembro, de facto, aconteceu e temos todos consciência que, sob aquela ou outra forma, pode repetir-se.

Dentro dos problemas racionalizáveis, a maior área de incerteza é, contudo, o destino da infra-estrutura após o final da sua vida útil. E não basta que o custo do que houver a fazer esteja incluído, como «provisão financeira», nos custos do funcionamento da central. A experiência de enceramento definitivo de grandes centrais nucleares é limitada e muito recente para que se possa extrapolar, ou seja, para que as previsões financeiras tenham uma qualquer fiabilidade.

Potencialmente mais preocupante que o funcionamento de uma central é, no entanto, a gestão do ciclo do seu combustível, nomeadamente no que diz respeito ao enriquecimento do urânio e ao destino final do combustível irradiado.

Quanto ao enriquecimento, o problema reside no facto de se tratar de uma tecnologia que é sempre, pelo menos potencialmente, de «dual use», civil e militar. Neste particular, o problema actual da «opção nuclear» do Irão é, apenas, (mais) uma dramática exemplificação do que pode ser o futuro.

Quanto ao problema do combustível irradiado, subsistem três áreas de preocupação. Qual o destino a dar-lhe, nomeadamente onde (e como) o armazenar, a segurança do seu transporte e o destino dos produtos do reprocessamento (tratamento do combustível irradiado).

Quanto ao primeiro problema, é necessário encontrar locais sem população, tectonicamente estáveis e «seguros», assegurando durante longos períodos o arrefecimento das células de combustível retiradas da central e garantindo a estanquicidade e o isolamento físico total dos locais.

Quanto aos aspectos de logística, especialmente no que diz respeito ao transporte rodo, ferroviário ou marítimo podem, também aqui, existir problemas de acidentes, desvios e, em geral, forte reacção das populações à passagem destes materiais.

A terceira área de preocupações tem a ver com a actividade de reprocessamento dos combustíveis irradiados relativamente à qual não existe experiência industrial fiável e com o destino dos produtos, alguns extremamente perigosos, de vida muito longa e dificilmente armazenáveis, nomeadamente o plutónio, material ele mesmo de utilização militar.

Ora, neste conjunto de áreas, são muito mais as interrogações do que as certezas e qualquer extrapolação de custos é pura demagogia.

Assim, o panorama de fundo da «opção nuclear» não se modificou significativamente nos últimos trinta anos. A que se deve então a sua súbita «popularidade»?

Não acreditamos que seja apenas o disparar do preço do petróleo. Pelo contrário, acreditamos que um outro factor, de carácter estrutural, tem vindo a desempenhar um papel determinante neste «ressurgir» do nuclear. Trata-se de uma modificação profunda no modo como as sociedades modernas percebem e começam a aceitar (?) a inevitabilidade do «viver com risco» ou melhor, com um «risco significativamente crescente».

Começa, de facto, a ser evidente que, nestes últimos anos, o «gap» de segurança, tal como é percebido pela opinião pública, se reduziu significativamente em benefício do nuclear, não por ter havido progressos significativos do seu lado (embora alguns progressos se tenham, de facto, registado), mas porque nos apercebemos, quase de súbito, que o nível de risco associado à nossa vida de todos os dias, subiu consideravelmente.

Com efeito, e no que diz respeito ao impacto ambiental e à segurança, a grande diferença entre a «opção nuclear» e a «opção fóssil» assenta no facto de a perigosidade do nuclear resultar de «situações acidentais», sendo o funcionamento normal considerado «seguro» enquanto na «opção fóssil» o risco existe quer em regime de funcionamento «normal», emissão constante de CO2 para a atmosfera, quer em situação de acidente.

Ora, estão hoje bem identificadas as consequências da acumulação CO2 na atmosfera, com impactos fortemente negativos, talvez mesmo já perceptíveis, para a sobrevivência da Biosfera tal como a conhecemos.

Por outras palavras, o risco associado às várias operações que integram a «opção nuclear» começa a ser percebido apenas como uma dimensão de um risco mais geral, característico do nosso modelo de (in) civilização, e que, tanto quanto fomos aprendendo nos últimos anos, pode ter consequências verdadeiramente devastadoras para as nossas vidas.

Em conclusão, embora os riscos ligados ao nuclear permaneçam sem redução significativa nos últimos trinta anos, a conjugação da crise petrolífera com uma aceitação generalizada da inevitabilidade de maiores níveis de risco associados ao modo de vida moderno, está a reduzir a resistência à «opção nuclear» embora, como vimos no artigo da semana passada, para o caso português o impacto sobre a economia continue a desaconselhar, fortemente, esta opção.

A primeira parte deste artigo foi publicado na edição do dia 31 de Maio.

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