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18 de Janeiro de 2006 às 13:59

A eleição para a coisa mais chata do mundo

Manuel Alegre transformou-se no candidato médium, tal a quantidade de cemitérios que visitou e de invocações ao espírito de gente já morta que fez. Depois de Norton de Matos, Salgado Zenha, Álvaro Cunhal, Fernando Vale e Sousa Franco, só lhe faltou mesmo

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Se há coisa para que esta campanha eleitoral serviu – se que é que ela serviu verdadeiramente para alguma coisa – foi para mostrar que a política se esvaziou de conteúdos para se deixar dominar pela forma. Os candidatos dizem, sem pudor, o que for preciso em troca dos votos que encham as suas ambições. Cavaco Silva tentou dizer pouca coisa e não se comprometer com nada. É o candidato mais branco, na tentativa de ser o mais abrangente. Tentou esconder quem o apoia – meteu o seu partido para os cantos da sala e reduziu o CDS ao «outro partido» – e levantar-se como o herói do diálogo social. O seu slogan «Portugal Maior» tem uma significância nula: tanto serve para dizer que nos quer mais altos, como que quer anexar Olivença. E pintou-se, nos seus cartazes, de vermelho esquerdista enquanto brandia que «o povo é que mais ordena», na Póvoa do Varzim. Mas esta estratégia foi funcionando, até porque Cavaco está associado à prosperidade do começo dos anos 90. O grande problema do professor não será tanto ganhar as eleições, mas sim o de corresponder às expectativas que criou sobre si mesmo. Sem poder executivo e num ambiente económico complicado, Cavaco Silva tenderá a culpabilizar o governo pela sua incapacidade em cumprir o que agora promete.

Mário Soares cometeu um erro grosseiro: esqueceu-se de que as pessoas detestam velhos. A velhice é uma coisa odiada pela humanidade, que prefere idolatrar o que é novo, jovem e descomprometido. E a sua campanha titubeou entre meia dúzia de ideias vagas e as lembranças de um passado que foi, mas que já não serve de nada. O candidato nem se alavancou no seu passado, nem conseguiu construir um discurso sobre o que quer para o futuro. Tudo isto acabará como um grande «flop» e uma lição para os que vierem a seguir – é bom saber de cena a tempo.

Manuel Alegre transformou-se no candidato médium, tal a quantidade de cemitérios que visitou e de invocações ao espírito de gente já morta que fez. Depois de Norton de Matos, Salgado Zenha, Álvaro Cunhal, Fernando Vale e Sousa Franco, só lhe faltou mesmo visitar o «santuário» do doutor Sousa Martins, para os lados do Campo Mártires da Pátria. Entre os defuntos e a invocação da Pátria – também ela, aliás, já defunta – Alegre ficará para a história como o homem que conquista votos apropriando-se da memória de gente que jamais votaria nele.

Jerónimo de Sousa apareceu como o candidato «bom pai de família», rodeado pela mulher, filhas e netos, numa tentativa de mostrar que os comunistas já não comem criancinhas ao pequeno-almoço. Embora pareça evidente que os comunistas há muito optaram pelos mais dietéticos cereais como primeira refeição do dia, a verdade é que Jerónimo é bom, até muito bom, na missão de fixar o eleitorado comunista. Mas fica-se por aqui. Francisco Louça apareceu na pior forma possível – imperceptível. Já não se sabe se Louça é, aos 50 anos, um revolucionário profissionalizado ou alguém que se aburguesou num partido cada vez mais igual aos outros. De certa forma, o Bloco de Esquerda é a facção mais esquerdista do PS, com a agravante de o PS não precisar, neste momento, dos bloquistas para nada. E Garcia Pereira merece o «óscar» do disparate ao sugerir que a esquerda poderia ter ganho estas eleições se tivesse avançado com um candidato comum: Freitas do Amaral. Mas se Freitas do Amaral é de esquerda e serve para representar o «povo» da esquerda, então o mundo está mesmo de pernas para o ar.

Mas se os candidatos são produtos cada vez mais brancos que se «vestem» de acordo com as preferências do eleitorado, a função também não é propriamente interessante. Embora a Presidência da República seja um bom lugar para passar a reforma, a função serve basicamente apenas para três coisas: tomar um cafezinho com o primeiro-ministro todas as semanas e saber como vão as coisas; viajar pelo País e pelo estrangeiro e, muito de vez em quando, dissolver a Assembleia da República, provocando a tal «rotatividade» do sistema político. Como, desta vez, o Governo é suportado por uma maioria mono-partidária (os portugueses ganharam o gosto pela estabilidade política e votam inteligentemente em bons líderes, para lá das suas preferências partidárias) o próximo Presidente da República terá poucas hipóteses de dissolver o que quer que seja.

Vamos votar num Presidente que não terá muito que fazer. José Sócrates lá terá que ser paciente para ouvir as charlas moralistas do próximo presidente, que provavelmente virão naquele formato maçador do «diz-me a minha experiência, sabe que eu fui primeiro-ministro de Portugal em condições muito difíceis, que a melhor forma de resolver esta questão ?». Já imagino a reacção mental de Sócrates: «sim, sim, pena é que não tenha resolvido esse problema no seu tempo? agora deixe-me ir embora que tenho mais que fazer que o estar a ouvir». Vai ser uma enorme maçada. Como é pena não nos dedicarmos a coisas mais sérias e produtivas.

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