Opinião
A Comemoração de Neper
O Senhor Presidente da República fez hoje uma homenagem aos portugueses que participaram na Batalha de La Lys, publicando um texto no ‘site’ oficial da Presidência. Bem merecem estes portugueses, pois os 15 mil que estavam na linha da frente naquele fatíd
Ora, foi a “ruminar” nisto que dei comigo a pensar: porquê uma homenagem no ‘site’? E porquê 90 anos depois? É verdade que uma homenagem num ‘site’ dá um toque de modernidade e originalidade – originalidade que começa por o ano passado a romagem ao cemitério de Richebourg e as comemorações oficiais da batalha de 9 de Abril de 1918 terem tido lugar a 31 de Março. Mas mais estranho é a homenagem ser 90 anos depois.
É que, meus caros leitores, não estamos na passagem dos 25, dos 50, quando muito dos 75 ou mesmo dos 100 anos, estamos a homenagear exactamente 90 anos depois. Para uma mente mais incauta, que não saiba que há comemorações todos os anos, até pareceria que andámos esquecidos 89 anos e agora sim, toca a homenagear.
Pois por muito estranho que pareça isto de homeneagear aos 90 em vez de aos 100, a verdade é que não nos afastamos do que muitos outros já fizeram. Basta ver, por exemplo, a comemoração dos 152 anos do Departamento de Arquivo Público do Paraná; ou do 32º aniversário da Embrapa; ou a comemoração dos 97 anos do CEFET. Nada de anormal, portanto. Aliás, reconheço que, por exemplo, isto de se ter comemorado o 33º Dia Mundial da Normalização dá ar de normalidade às comemorações no ano em que se fazem x anos sobre a data, qualquer que seja x.
Sim, meus queridos leitores, para todo e qualquer x. É um erro colocar-se como limitação que x seja um número natural, isto é, inteiro e pelo menos igual a 1, como os mais incautos e incultos pensariam à primeira vista. Por exemplo, x pode ser zero. Veja-se o caso do futebol, onde se comemora uma coisa – o golo – logo no próprio momento em que acontece (a propósito, a CBF decidiu controlar excessos em comemorações – a Presidência que tome a devida nota).
E, se é verdade que as comemorações naturais, como a tomada da Bastilha, se comemoram naturalmente na mesma data todos os anos, com x na fórmula acima a ser um número natural, as comemorações irracionais como o 138º Carnaval da Educação (um contradição de termos, ou talvez não) têm lugar em datas irracionais, claro. Aliás, uma turma de matemática de uma conhecida universidade americana comemorou recentemente os seus 33,3 anos – que prova racionalidade, pois 33,3 é um número racional, mas se há racionalidade também deve haver irracionalidade. Só falta aparecer como data um logaritmo neperiano.
E tal como os polinómios, as comemorações podem ter raízes múltiplas, o que faz com que possam ocorrer em datas aos pares, ou mesmo mais, como o Dia de S. Inácio de Antióquia, que é comemorado por uns a 20 de Dezembro, outros a 17 de Outubro e outros ainda a 1 de Fevereiro.
Portanto, se o Senhor Presidente quer homenagear aos 90, faz bem. Mas se quizer homenagear aos 91, também está certo. E aos 92, idem. Mais, tomemos a Teoria das Comemorações, do meu colega irlandês O’mehnajem. Como podemos determinar a próxima homenagem?
Admita-se que as homenagens são prestadas atendendo ao mérito, e que a um determinado nível de mérito, constante, se ganha o direito de ser homenageado. Admita-se também que a população está a aumentar, aumentando o número de potenciais homenageados bem como o número de vezes que a linha do mérito é ultrapassada. Então, cada ano que passa há cada vez mais homenagens a prestar. Ao fim de uns anos, haverá muitas a fazer. Com efeito, admitindo que no primeiro ano há meia dúzia de homenagens e estas duplicam de ano para ano. Cinco anos depois, para o final do mandato, o nosso Presidente já teria que fazer 192 homenagens. Mas sendo reeleito, a meio do segundo mandato já se aproximaria das 2000 homenagens, mais de cinco por dia sem parar aos fins-de-semana, impossível para qualquer cidadão normal. Assim se explicam então as homenagens electrónicas, com mensagens no ‘site’: estamos perante uma antecipação de uma reeleição e sem querer, como é correcto, tratar uns e outros de forma diferente.
Mas é possível ter tão elevado número de homenagens electrónicas? É que mesmo nesta simples hipótese, quem suceder ao nosso Presidente começa o mandato com mais de seis mil homenagens e a meio do segundo vai para além do milhão.
Tranquilizem-se os candidatos a Presidente, vão poder continuar a homenagear os 90, 87, 131 e 426 anos do que quiserem. O’mehnajem responde a esta questão: é só a fazer a primeira homenagem nos primeiros seis meses, a segunda nos três meses seguintes, a terceira no mês e meio que se segue e assim sucessivamente, sempre duplicando a velocidade. Consegue-se assim fazer infinitas homenagens num ano, mas nos últimos minutos os computadores até vão deitar fumo. Branco.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola Superior de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntámos como se deveria escolher alguém para homenagear, Frederico respondeu: “Comecem por arranjar umas dúzias de cadeiras e música.”