Opinião
A abstenção de Saramago
Só não percebi o PM quando ele afirmou que tinha compreendido a mensagem dos eleitores. Só agora? As vaias de norte a sul do País eram porquê? A conclusão só pode ser uma: o primeiro-ministro gosta de ser vaiado.
Lá fui votar no domingo. Confesso, meus caros leitores, que me custou. Primeiro, tive que decidir a hora a que o fazia. Se fosse antes das cinco da tarde ainda diziam que era do PC, pois os comunistas votam antes das cinco. Se fosse depois daquela hora, pensariam que era adepto da coligação e que tinha passado a manhã no golfe. Para não ficarem dúvidas, votei às cinco em ponto. Depois, naquela cabina apertada em que temos que colocar a cruz no papel, tive um sobressalto. Tinha passado o sábado a meditar e a ler as propostas dos partidos e já tinha decidido. Quando peguei na caneta para colocar a cruz fiquei estarrecido. Então não é que existiam 12 candidatos e eu só tinha lido os programas de 6? Quem eram os outros 6 infiltrados? Que fazer? Gastei um quarto de hora até me decidir. Quando saí 20 caras furiosas olhavam para mim. Mais tarde ouvi numa rádio local que na minha secção de voto a afluência tinha sido grande. Pouco depois das cinco até havia uma fila de pessoas à espera de votar. E só não foi maior porque imensa gente chegou às sete e um, mas as urnas já estavam fechadas e não os deixaram votar.
Dever cumprido, voltei para casa satisfeito e esperei pelo resultados e pelos comentários frente à televisão. E que vi e ouvi? O primeiro comentário foi dum coitado a quem alguém encomendou o frete de dizer que o partido que ganhou, um tal de Abstenção, nem figurava nos boletins. No café em que eu estava a ver televisão, em S. Bento, foi a risada geral. Até houve um tipo que disse que aquilo era de família, já o primo dele, um tal de Roger Coelho, tinha sido tramado. Outro, que deve ter tido um avô importante porque toda a gente lhe chamava Neto, afirmava que havia um problema de comunicação, que o povo estava errado. A continuar assim ainda vai do Parlamento para a Avenida do Brasil. Outro, do Partido Socialista, compôs o ramalhete dizendo que a ministra das Finanças era a ministra errada para a política errada – não percebendo que a fazer um elogio ao primeiro-ministro. Erro grave seria pôr a ministra errada a fazer a política certa ou escolher a ministra certa para fazer a política errada. Então o tipo não viu que o PM, sabendo que a política era errada, escolheu a ministra que errava para que assim o resultado dê certo?
Mas houve quem fizesse ainda melhor. Não há um que sustentou que o Partido Socialista só tinha tido o apoio de 16% dos eleitores, dado que 40% dos 40% que votaram são 16%? Que é que queria o homem dizer com isto, Que o PS só deveria ter 16% dos lugares? Mas então quem votou no Bloco, que elegeu um deputado, o que é que queria com os 5% de 40%? Mandar para Bruxelas 2% do Miguel Portas? Que 2%? Um dedo do pé, uma orelha?
E há mais. Então, 14 dos nossos lugares no Parlamento Europeu ficariam vazios, pois 14 é 60% de 24, o número de deputados portugueses. Depois é que percebi: cumprindo as instruções do primeiro-ministro e da ministra das Finanças, o nosso povo estava era a contribuir para o equilíbrio do orçamento. Se pensarmos que ao nível da União Europeia ficariam vazias 403 cadeiras, dado que o número de lugares é de 732 e a abstenção total foi de 55%, já viram o contributo que os cidadãos europeus deram para o cumprimento do Pacto de Estabilidade? E ainda dizem que não queremos saber da Europa nem nos empenhamos na sua construção.
Mas quem eu gostei de ouvir foi o nosso primeiro- ministro. Disse-nos que com estes resultados o povo português lhe transmitiu uma mensagem de exigência e que isso o estimulava. Gosta que lhe façam exigências. Agora compreendo porque não cede às exigências dos sindicatos ou da oposição, é para continuar a ser estimulado. E compreendi as razões da política que o governo tem seguido. Diz o PM que contemos com ele para as situações difíceis e não para facilidades. Está então explicado porque é que este governo nos levou para a crise e não nos tira dela: se saíssemos da crise, a situação ficava fácil e já não poderíamos contar com o nosso PM.
Só não percebi o PM quando ele afirmou que tinha compreendido a mensagem dos eleitores. Só agora? As vaias de norte a sul do País eram porquê? Como é possível que tão fino político não tivesse compreendido antes e evitado esta banhada? Reflecti, e a conclusão só pode ser uma: o primeiro-ministro gosta de ser vaiado.
Em jeito de conclusão, dei comigo a pensar que o melhor para os nossos políticos era lerem Saramago em vez de se queixarem da abstenção. Se teimassem em repetir as eleições ainda passávamos dos 60% para os 80%. Bem, no Saramago era votos em branco, cogitei, e o voto em branco é que é o voto de protesto. Será que afinal os portugueses não protestaram, apenas demonstraram às urnas que são apoiantes do comodismo? E foi no meio disto que me dei conta da sapiência dos eleitores. Porquê votar em branco se a abstenção é muito mais económica? Não se gasta gasolina, não se gasta tinta e ainda se podem guardar os boletins de voto para a próxima eleição. Se todos os que se abstiveram tivessem votado em branco, já pensaram no tempo que se gastava a contar os votos? Assim é mais rápido. Sabemos mais depressa quem são os vencedores. Fazem todos as suas declarações de vitória e mais cedo nos podemos ir deitar. Que é o que eu vou fazer, que já são três da manhã e estou farto de beber café e comer laranja com melão.
Frederico Bastião é professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntaram se recomendava o voto em branco, Frederico respondeu: «Depende do Branco ser do PSD ou do PP.»