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[474.] Água das Pedras

O local é fisicamente irreconhecível (poderia ser um rio, o mar, só a água conta) para que apenas se veja a própria água do tanque e a actriz a gozá-la, sugerindo que ingerir Água das Pedras refresca todo o corpo e o espírito

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O anúncio televisivo de Água das Pedras com Daniela Ruah apenas acrescenta à narrativa e simbologia das campanhas anteriores a presença da actriz, mas mais não seria preciso.

A ideia é extremamente simples: sugerir em imagens a frescura de Água das Pedras, a sua capacidade de criar um momento único, liminar, de transcendência momentânea no quotidiano. Para revelar esse instante de "carpe idem", de gozo da vida ultrapassando as circunstâncias comuns da vida normal, a narrativa ficcional do anúncio tem três partes.

Na primeira, a protagonista Ruah chega junto de outros convivas numa ocasião social num encenado bar e é-lhe servida Água das Pedras; a actriz ingere um pequeno gole do líquido e dá origem à segunda parte ao fazer olhar desafiador, de conquista.

A segunda parte cria uma ficção dentro da ficção, tornando físicos — por os mostrar em imagens — os efeitos que Água das Pedras lhe produziu: a sensação de frescura e de liberdade mostram-na dentro de água, com o vestido (verde, cor da garrafa de Pedras) e a maquilhagem em que a víramos antes no bar, em movimentos livres que não faria à superfície, com bolhas de ar em seu redor, como as do gás natural da água.

A produção teve o cuidado de evitar que as imagens submersas assemelhassem o local a uma piscina, pois não é disso que se trata. O local é fisicamente irreconhecível (poderia ser um rio, o mar, só a água conta) para que apenas se veja a própria água do tanque e a actriz a gozá-la, sugerindo que ingerir Água das Pedras refresca todo o corpo e o espírito.

As imagens em câmara lenta acrescentam esta sensação, não só por darem mais beleza aos movimentos da actriz e das bolhas de água, mas principalmente por isolarem, prolongarem e valorizarem o momento do contacto com Água das Pedras. É o mesmo instante do famigerado "primeiro gole de uma cerveja fresca", que também já foi glosado em publicidade televisiva, quando o consumidor vive apenas para si uma experiência "única", parada no tempo, um daqueles lapsos de apenas dois ou três segundos a que se pode propriamente chamar felicidade.

Todavia, para não sugerir que é uma experiência isolada — sendo a solidão a mais aterrorizadora circunstância de vida na sociedade contemporânea — o anúncio mostra depois três homens mergulhando na água que, ao contrário de Ruah, vêm em direcção da câmara, ou seja, do observador e da própria protagonista, pois este sonho é dela. Os três mergulhadores são mostrados de mais longe, para não ofuscarem a narrativa centrada em Ruah. Este plano único indica que ela não está só ao beber Água das Pedras, que os homens são atraídos por quem bebe Pedras, que beber esta água é uma experiência social como a de conviver num bar com bebidas alcoólicas nos copos.

Na terceira parte do anúncio, Ruah sai do sonho aquático e regressa ao convívio social com as outras pessoas no bar. Água das Pedras inscreve-se na vida social de pessoas de sucesso social, não afasta, antes atrai os outros em sua direcção, que acresce à experiência única, individual, não partilhável, como o sonho dentro da narrativa revela. Assim, o indivíduo autónomo, individualizado e moderno coexiste com o indivíduo social, integrado com sucesso. O anúncio consegue em simultâneo transmitir em imagens essa ideologia do indivíduo contemporâneo e o "poder transformador" e criador de felicidade do produto anunciado. As frases em "off" que acompanham as imagens na parte final do anúncio são um acessório praticamente inútil num momento de cultura visual plenamente conseguido, mas a publicidade tem horror ao vazio de palavras que ancorem os significados das imagens. O anúncio não inova na narrativa e na ideologia transmitida, mas, a nova versão chega e sobra para reforçar o conceito de "carácter único" de Água das Pedras.


etc@netcabo.pt

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