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[404.] Sagres, Continente

A nova campanha da Sagres é igual a tantas outras das maiores marcas nos últimos meses em torno do valor do consumo por "todos nós" ao abrigo da pátria unida.

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No ano passado, alguns anúncios aproveitaram a presença da Selecção Nacional de Futebol no Mundial. Agora, rolam anúncios do Continente dizendo que "somos todos nós" e da SIC "estamos juntos". Agora esta "unidade" regressa no "spot" televisivo da Sagres com palavras e imagens simbolizando a pátria. A bandeira nacional já aparecia no anúncio do Pingo Doce de 2009, aparecia no do Continente e está agora no da Sagres.

A insistência da publicidade desta cerveja na ideia de unidade nacional impressiona por ser tão vistosa e insistente: no "hino" "Somos Nós da Sagres" a palavra "nós" aparece 12 vezes e a palavra "somos" é dita 30 (trinta) vezes, a que se soma mais uma vez por escrito no final - ou seja, uma vez de dois em dois segundos na versão de 61 segundos do anúncio. O anúncio abre-se sobre as quinas na porta de um bar e fecha com as quinas formadas por cinco minis e pelo símbolo da marca; há também bandeiras de Portugal nas janelas e, em efeito digital, um galo de Barcelos feito de grades de cerveja, completando a total identificação da marca com a pátria.

O hino é cantado por homens e o anúncio é marcadamente masculino e machista. Soaria Chaves mostra o decote a um rapaz num bar; um dos planos mostra os rabos de duas raparigas; o hino diz que "somos descobridores" enquanto numa rua um rapaz descobre com o corpo duma rapariga. A masculinidade está presente noutros momentos, como quando o coro exclusivamente masculino canta "somos todos doutores" enquanto se vêm uma tuna só de rapazes com batinas coimbrãs. A ligação ao futebol é completa. Além da presença de Luís Figo, o "hino" diz "somos loucos por bola", "somos futebol, somos selecção" e, por isso, "nós somos Portugal".

A campanha da Sagres reveste-se, assim, de valores nacionalistas, associados aqui a valores machistas e tradicionalistas ("somos fadistas … bairristas"). O estilo do "burgesso" é actualizado, mas só ao de leve, para se adaptar aos rapazes "doutores".

A campanha do Continente, que referi no [303.], também usa no texto palavras que como "somos" ("somos das vilas, das cidades, somos da terra e do mar") e "nossos" ("os nosso planos, os nossos sonhos"), para sugerir a ideia de unidade de todos os portugueses em torno da marca ("todos os que contamos com mais"). Não falta, como no slogan da SIC, a palavra "juntos" ("juntos somos muito mais"), para acentuar a ideia de unidade e de que a união faz a força e a felicidade ("mais fortes, mais unidos, mais felizes"). Vão-se vendo planos de agricultores e pescadores, de vilas de granito e cidades de betão, do Porto, Évora e Lisboa. Não falta a referência sub-reptícia ao futebol (a frase "sempre para vencer" surge com planos de bandeiras nacionais, dos mesmos cachecóis associados à Selecção que se vê com a Sagres e a T-shirt com as inevitáveis quinas).

Eis o que, lá no fundo estes anúncios também dizem: estamos em crise, os políticos estão divididos e dividem-nos, mas as marcas, o consumo e o futebol unem-nos como antigamente, num tempo mítico em que não havia divisões. A bandeira nacional, o futebol, os hinos das marcas e o consumo, calando divisões, unindo multidões, fazendo de todos um só homem, podem-nos devolver-nos o amor e a felicidade que o colectivo funda no indivíduo e o consumo induz em todos.


ect@netcabo.pt
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