Opinião
[331.] VW, Jeep, Land-Rover
Na publicidade não há "todos iguais, todos diferentes" porque todos os produtos em concorrência devem distinguir-se pela diferença. Por vezes, as campanhas são fracas precisamente por se assemelharem umas das outras nos conceitos ideológicos...
Na publicidade não há "todos iguais, todos diferentes" porque todos os produtos em concorrência devem distinguir-se pela diferença. Por vezes, as campanhas são fracas precisamente por se assemelharem umas das outras nos conceitos ideológicos e estéticos. Mas, pelo menos nas fotografias, os novos 4x4 da Jeep, Land-Rover e Volkswagen conseguem diferenciar-se: um imaculado, um de cara lavada no meio da lama e outro de cara suja.
O Touareg da VW apresenta-se todo porco, acabado de sair da lama, contrastando com o branco do papel da imprensa. A oposição ressalta também da frase "O Todo-o-terreno mais limpo da sua classe". A sujidade, sugere a união de foto e texto, é "natural", vem da terra (ou da "Terra", para usar o quase religioso T maiúsculo de "Todo-o-Terreno"). A limpeza, própria dos santos, é do carácter do veículo, "o mais limpo da sua classe", por causa da sua proposta única de venda, "a nova tecnologia BlueMotion". Este azul no neologismo da tecnologia também sugere pureza e a poupança de energia referida no texto. Este "Todo" o terreno apresenta-se-nos, pois como "Todo Poderoso", capaz de fazer o bem lavrando a lama e a terra.
Os anunciantes da Jeep criaram uma imagem com uma situação intermédia na relação entre o veículo e a natureza: o Jeep aparece limpinho, brilhante, mas no meio da floresta, já num caminho de lama, aproximando-se de um monte terra encharcada. A foto foi captada com uma teleobjectiva, para parecer que o Jeep está lá longe e foi observado como um animal nas selvas do Discovery e da National Geographic.
Este Jeep tem um pedigree grande como um herdeiro da coroa: o nome não acaba nunca. Chama-se Jeep Wrangler Pick Up 2.8 CRD Diesel 177 CV e vem de uma geração com 60 anos, "uma lenda", como o texto nos obriga a recordar. O anúncio não usa o plebeísmo "todo-o-terreno", designação que não se coaduna com a estirpe aristocrática do fundador da dinastia: o Jeep é o jipe, o jipe é o Jeep, nem vale a pena dizê-lo, por pudor. O site da Jeep fala mesmo em "herança". A proposta única de venda do Wrangler? Ser "o mais perfeito de sempre", como el-rei D. João II.
A foto dá uma ideia de aproximação ao Jeep e do Jeep. E o slogan diz-nos em letras grandes que "O Inverno está a chegar" para que na nossa cabeça seja o Jeep que está a chegar. Mas o slogan completo é "O Inverno está a chegar. Finalmente." A complexidade conceptual de tão poucas palavras parece ter resultado do Outubro seco e quente em Portugal: sem a chuva do Inverno não há lama, o que tira a piada à inútil lavra dos trilhos pelos 4x4. Por isso, ao contrário da esmagadora maioria dos citadinos, quem tem um Jeep anseia pelo que é o "mau tempo" da gente vulgar: daí que o Inverno esteja, para eles, "finalmente" chegando. Tal como o novo Jeep Wrangler, a chuva e a lama estão felizmente chegando para alegria dos fins-de-semana de selectos citadinos.
Sem sujidade, sem lama, sem manifestar desejos de um bom mau tempo, o "novo Range Rover Sport" apresenta-se na foto de página inteira imaculado, cristalino, brilhando em cada centímetro quadrado, azul puro como o do céu em volta, azul puro como o do mar em volta, azul puro como o da paisagem depois do pôr-do-sol à sua volta e azul puro até como da imaculada estrada em volta. Sim, de facto: a estrada que o Range Rover percorre está impressa pelos circuitos informáticos azuis que justificam a frase de abertura, segundo a qual o 4x4 "toma 500 decisões por segundo" e que justificam também o slogan "powered by intelligence". A inteligência da "mais inovadora tecnologia".
Este veículo "supera-se a si mesmo" "e, claro, [tem] a mais inovadora tecnologia", o que se nota pelas cinco vezes que a palavra "mais" surge no texto. Um jipe sofisticado, para andar no asfalto.
Em resumo, os três todo-o-terreno conseguem diferenciar-se na imagem criada pelas fotos e pelos pequenos textos associados.
ect@netcabo.pt
O Touareg da VW apresenta-se todo porco, acabado de sair da lama, contrastando com o branco do papel da imprensa. A oposição ressalta também da frase "O Todo-o-terreno mais limpo da sua classe". A sujidade, sugere a união de foto e texto, é "natural", vem da terra (ou da "Terra", para usar o quase religioso T maiúsculo de "Todo-o-Terreno"). A limpeza, própria dos santos, é do carácter do veículo, "o mais limpo da sua classe", por causa da sua proposta única de venda, "a nova tecnologia BlueMotion". Este azul no neologismo da tecnologia também sugere pureza e a poupança de energia referida no texto. Este "Todo" o terreno apresenta-se-nos, pois como "Todo Poderoso", capaz de fazer o bem lavrando a lama e a terra.
Este Jeep tem um pedigree grande como um herdeiro da coroa: o nome não acaba nunca. Chama-se Jeep Wrangler Pick Up 2.8 CRD Diesel 177 CV e vem de uma geração com 60 anos, "uma lenda", como o texto nos obriga a recordar. O anúncio não usa o plebeísmo "todo-o-terreno", designação que não se coaduna com a estirpe aristocrática do fundador da dinastia: o Jeep é o jipe, o jipe é o Jeep, nem vale a pena dizê-lo, por pudor. O site da Jeep fala mesmo em "herança". A proposta única de venda do Wrangler? Ser "o mais perfeito de sempre", como el-rei D. João II.
A foto dá uma ideia de aproximação ao Jeep e do Jeep. E o slogan diz-nos em letras grandes que "O Inverno está a chegar" para que na nossa cabeça seja o Jeep que está a chegar. Mas o slogan completo é "O Inverno está a chegar. Finalmente." A complexidade conceptual de tão poucas palavras parece ter resultado do Outubro seco e quente em Portugal: sem a chuva do Inverno não há lama, o que tira a piada à inútil lavra dos trilhos pelos 4x4. Por isso, ao contrário da esmagadora maioria dos citadinos, quem tem um Jeep anseia pelo que é o "mau tempo" da gente vulgar: daí que o Inverno esteja, para eles, "finalmente" chegando. Tal como o novo Jeep Wrangler, a chuva e a lama estão felizmente chegando para alegria dos fins-de-semana de selectos citadinos.
Sem sujidade, sem lama, sem manifestar desejos de um bom mau tempo, o "novo Range Rover Sport" apresenta-se na foto de página inteira imaculado, cristalino, brilhando em cada centímetro quadrado, azul puro como o do céu em volta, azul puro como o do mar em volta, azul puro como o da paisagem depois do pôr-do-sol à sua volta e azul puro até como da imaculada estrada em volta. Sim, de facto: a estrada que o Range Rover percorre está impressa pelos circuitos informáticos azuis que justificam a frase de abertura, segundo a qual o 4x4 "toma 500 decisões por segundo" e que justificam também o slogan "powered by intelligence". A inteligência da "mais inovadora tecnologia".
Este veículo "supera-se a si mesmo" "e, claro, [tem] a mais inovadora tecnologia", o que se nota pelas cinco vezes que a palavra "mais" surge no texto. Um jipe sofisticado, para andar no asfalto.
Em resumo, os três todo-o-terreno conseguem diferenciar-se na imagem criada pelas fotos e pelos pequenos textos associados.
ect@netcabo.pt
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