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[231.] Tagus

Pela primeira vez uma campanha publicitária foi vítima da pressão pública de um lóbi. Alguns gays e lésbicas radicais não gostaram que cartazes da cerveja Tagus perguntassem ao observador “Tu és hetero?” e mencionassem um “orgulho hetero”. Apresentaram qu

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Num artigo no Público em 2005 escrevi, sobre a representação da homossexualidade na TV, que hoje “só fascizantes ou fascistas vocalizam oposição à nova atitude face à homossexualidade” e acrescentei que uma “radical mudança de atitude na sociedade” que despreze a sensibilidade da maioria hetero “pode ter efeitos perversos a prazo, se originar uma espiral de silêncio” que leve essa maioria a “reprimir as suas opiniões e sentimentos sobre o assunto. Quando se inverte a espiral de silêncio pode ocorrer uma forte libertação de recalcamentos. O tempo de antena gay nos media, que  muita gente percepciona como superior à sua presença na sociedade, poderá ser perigosamente contraproducente para a tolerância da sociedade.”

Referi ainda que a televisão tinha então alguns “escapes para os heteros que não aceitam facilmente o que vêem como um ascensão gay”. A campanha da Tagus agora autocensurada vinha precisamente neste sentido: fornecia oportunidades de se exprimir e de se encontrar a uma comunidade maioritária, que – seja ou não essa percepção incorrecta – se considera mal representada. Os anúncios, entretanto retirados, não apelavam à violência ou ao ódio, não se exprimiam contra nenhuma minoria nem contra ninguém, apenas interrogavam o observador sobre a sua orientação sexual e, em caso de se sentirem heterossexuais, convidava-os a usarem um site ligado à marca cervejeira para conviverem com outras pessoas da mesma orientação. Os anúncios não defendiam o “machismo”, como referiram radicais da comunidade gay, e, na soma dos dois mupis, colocavam em pé de igualdade os rapazes e as raparigas. A atitude dos figurantes era de festa e não de militância. Os reclames eram portanto tão correctos como os  que representam ou sugerem – sem explicitarem – relações heterossexuais (e são a maioria), em campanhas de detergentes, bombons, automóveis ou quaisquer outros produtos. Esses anúncios convivem hoje com outros que representam ou sugerem sensibilidades gays ou lésbicas.

Em geral, seja a hetero seja a homossexualidade encontram-se na publicidade no domínio puro da linguagem simbólica, dado que todo e qualquer anúncio em que haja homens e/ou mulheres, rapazes e/ou raparigas, interpela indirectamente o interlocutor com a pergunta: “és hetero ou gay/lésbica?”, “como é que vês este anúncios, como hetero ou como gay/lésbica?” A campanha da Tagus apenas exprimiu verbalmente essa pergunta. Como referiram alguns blogues de homossexuais assumidos ou de quem não acha que debater a orientação sexual em público seja correcto ou interessante, a campanha também podia ser lida como uma naturalização da condição homossexual, pois só quando existe uma comunidade reconhecida é que outra comunidade precisa de se afirmar como tal: isto é, só quando a condição gay se naturalizou é que o hetero precisou de se dizer hetero. É o caso.

Mas a minoria radical gay e lésbica conseguiu levar a marca a desistir da campanha. Em vez da pergunta “És hetero?” o anúncio de substituição da Tagus inclui agora uma frase que resulta dessa censura e apela aos sentimentos de liberdade de expressão e modo de vida: “és livre de dizer o que pensas e de te manifestares ou contra ou a favor desta campanha.” Os radicais gays e lésbicas prestaram um mau serviço à sua própria causa. No dia em que a maioria hetero não tiver escapes para se manifestar, não tiver os seus próprios espaços públicos como os que gays e lésbicas conseguiram conquistar, as minorias terão um problema, como escrevi em 2005. Esperemos que tal dia não chegue.

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