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[215.] Toyota, BP

Uma parte importante da publicidade não mostra o que publicita, preferindo suscitar a venda através de situações, emoções e estilos de vida, mas poucos anúncios escolhem mostrar o que fica para trás e foi isso que sucedeu com dois anúncios simultâneos lig

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Oh, Kitty! Que bom seria se pudéssemos entrar na Casa do Espelho! Tenho a certeza que tem coisas tão lindas lá dentro! Vamos fingir que há uma maneira qualquer de lá entrar, Kitty.
Lewis Carroll, Through the Looking-Glass (and What Alice Found There)

Uma parte importante da publicidade não mostra o que publicita, preferindo suscitar a venda através de situações, emoções e estilos de vida, mas poucos anúncios escolhem mostrar o que fica para trás e foi isso que sucedeu com dois anúncios simultâneos ligados ao mundo automóvel.

O Serviço Após-Venda Toyota prometia: “Estas férias relaxe. Estamos sempre consigo.” O anúncio de meia página organizou-se em torno de uma fotografia panorâmica de uma praia deserta com as marcas de pneus na areia molhada. O sonho prometido é o de uma praia deserta... cujo areal se pode danificar com o 4x4... A imagem é ligeiramente curvada na parte inferior, o que a assemelha ao ponto de vista do retrovisor. Bastou este pequeno recurso do toque numa única das quatro margens da fotografia para criar o efeito de “memória”: parece que ao ver-se a praia no “retrovisor” ela se transforma numa boa recordação, algo que está para trás e que regressará, como as boas férias que se pretendem repetir.

O anúncio do óleo BP Ultimate tem o mesmo formato de meia página e também recorreu à foto em formato panorâmico e à imagem do retrovisor. Neste caso, o espelho do carro não é simulado, como no reclame da Toyota, é efectivamente o elemento central da foto. No retrovisor espelha-se uma paisagem deserta e sem fim, mas neste caso a imagem não é de sonho, antes de pesadelo. “BP Ultimate pode dar-lhe até 36 km extra por depósito”, promete o reclame. “Nunca se sabe quando poderá necessitar deles.” O retrovisor mostra um carro parado na berma da estrada no deserto enquanto se aproxima um homem com um depósito de 5 litros na mão. Pobre homem! Pela luz que entra pelo pára-brisas em redor do retrovisor sabemos que faz um calor intenso no deserto! E o risco que ele corre por não usar o combustível correcto? Mesmo por trás está a carcaça dum carro abandonado, como os esqueletos de animais nas fotografias e documentários tipo National Geographic!

Mas você, o observador da foto que foi interpelado pelo texto, não faz parte do pesadelo, pois você está no carro que tem gasolina e parou para dar boleia ao infeliz que não usou BP Ultimate. Enquanto no anúncio da Toyota há apenas a simulação da imagem reflectida no retrovisor, neste há também a que se vê no pára-brisas. O “você” interpelado pelo anúncio observa na imagem reflectida o pesadelo do homem “desgasolinado”; mas à sua frente está a mancha luminosa do deserto e da estrada que você atravessa – o pesadelo do outro é o seu sonho.

Estes dois anúncios, pela sua coincidência temporal e semelhanças, chamaram a atenção para o enorme poder imaginativo das imagens reflectidas. Através dos espelhos, como Alice, entra-se em universos paralelos de sonhos e pesadelos ao mesmo tempo que permanece a relação mais ou menos ténue com a realidade do mundo sensível, como convém à publicidade.

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