Opinião
[199.] "Novas oportunidades"
A campanha das "Novas Oportunidades" mostrando "conhecidos" de "sucesso" em profissões manuais para mostrar como seriam caso não tivessem acabado "os estudos" é ofensiva de milhões de pessoas que exercem com qualidade e orgulho profissões muito úteis à so
Esta campanha tem sido extremamente criticada e com toda a razão. É vil e errada. É vil porque, como disse, diminui o exercício de profissões que não exigem muitos anos de aprendizagem escolar. Achincalha essas profissões. Este é para mim o aspecto essencial, que torna esta campanha socialmente irresponsável. É errada porque a continuação dos "estudos" não é incompatível com as profissões mostradas e a elevação do nível escolar é importante para toda a gente mesmo que se continue a engomar, a vender jornais, ou a cortar relva.
É errada porque muitas profissões exercidas por "conhecidos" não exigem estudos e não foi por terem "estudos" que eles as chegaram a exercer.
É errada porque não é evidente a ligação entre ter acabado os "estudos" e ser cantor pop, por exemplo.
É errada porque estabelece uma diferença entre estudar e obter um canudo, sinónimo do "acabar os estudos" dos anúncios. Porque utiliza "conhecidos", que são pessoas que atingem lugares inatingíveis no imaginário de muitas pessoas, quando, pelo contrário, deveria mostrar desconhecidos como nós que chegaram longe com o seu percurso académico.
Francamente, não consigo encontrar um único aspecto positivo nesta publicidade, por mais meritório que seja o programa que a justifica.
O dinheiro dos contribuintes é demasiadas vezes mal gasto em campanhas publicitárias do Estado. Basta recordar a recente campanha do "Allgarve" no Algarve. Mas essa era apenas tola. Esta é bem mais grave, pois não só considera desonroso ser engomador ou vendedor num quiosque como sugere que uma pessoa com um canudo passa ter hipóteses acrescidas de exercer trabalhos melhores do que aqueles que exerce.
A frase final, "aprender compensa", compensa minimamente a mediocridade da concepção geral dos anúncios, mas, surgindo a fechar aquele horror, é demasiado tarde para os salvar. Pode dizer-se, com toda a propriedade, aliás, que aprender compensa, mas nem sempre, como se vê por esta campanha.
Também não estou de acordo com a presença de Judite Sousa, jornalista da RTP, num dos anúncios, o da vendedora num quiosque, apesar de ter obtido a concordância da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Trata-se de uma decisão legítima da Comissão e da própria jornalista, por se tratar de uma "campanha institucional" e não "publicitária" (onde quer que esteja a diferença) e por não ser remunerada. A decisão da Comissão é correcta. Mas não, a meu ver, a da jornalista, porque se trata de uma campanha institucional do Governo que visa divulgar uma acção governamental específica. Ora, julgo que uma jornalista, ainda por cima com a sua visibilidade e ainda por cima do operador público, não deve dar a cara por acções governamentais, sob o risco de ficar associada ao governo aos olhos do público que a vê numa campanha "institucional" do governo e ao mesmo tempo a dar a cara num noticiário da televisão, com a agravante de neste caso a respectiva administração ser nomeada por esse governo. Não quero cometer a injustiça de dizer que Judite Sousa alteraria a sua atitude jornalística por causa desta sua participação, mas deveria ter considerado as consequências aos olhos dos espectadores e observadores do anúncio.