Opinião
[173.] Limiano, Neoblanc
Toda a publicidade é feita, se não contra, pelo menos por oposição a outra publicidade: consequência da concorrência entre marcas e produtos ou instituições, os anúncios valorizam o que distingue para "melhor" ou "mais" a coisa publicitada.
Mas em Portugal há poucos anúncios frontalmente contra outros anúncios.
No reclame televisivo do queijo Limiano uma operária de farda e barrete brancos responde a um "jornalista" fora do campo visual sobre estratégia de futebol: após um esgar com o sobrolho como quem diz "o que é este está para aqui a dizer?" ela, em vez de responder à pergunta, enumera as qualidades do queijo que fabrica.
O anúncio combatia a continuada campanha do queijo flamengo dos Açores Terra Nostra protagonizada pelo futebolista açoriano Pauleta. Esses anúncios apelavam ao universo simbólico do futebol e o queijo-bola equivalia à bola de futebol. Esta resposta do concorrente brutaliza o universo simbólico próprio da publicidade para dizer ao espectador: o futebol não interessa aqui para nada, o que conta é a qualidade do queijo; nós, Limiano, não escondemos através da linguagem simbólica o que fazemos e temos para vender, mostramos tudo, vamos ao básico, ao fabrico, à operária que se entrega em exclusivo ao trabalho; "eles" têm de se esconder através da estratégia do futebol, quer dizer, da linguagem simbólica, "eles" têm de usar o futebol para vender.
Em resumo, o conceito do anúncio do Limiano era notável, pois despedaçava o recurso da própria publicidade, toda ela, às representações simbólicas. Não quer dizer que ao gozar com o recurso ao universo futebolístico o anúncio não usasse também ele a linguagem simbólica - pois não é toda a linguagem uma infinita sucessão de símbolos? O reclame não mostrava o queijo, mostrava uma operária minhota simbolizando o produto, a qualidade, o empenho; o reclame não mostrava um homem, mostrava uma mulher, simbolizando a relação feminina com o leite, com o desvelo na alimentação, enfim, era a "mãe" em oposição com o "pai herói" dos Açores. A presença dos símbolos é inelutável, mas importante é, neste caso, o aparente estilhaçar dum universo simbólico complexo e a sua substituição por outro apenas mais próximo do produto.
Ao contrário deste caso, a lixívia Neoblanc fez um anúncio de oposição ao do Skip dos santos populares (ver Manto Diáfano nº161). Mas escondeu tanto o universo simbólico que... até parecia literatura. Se o leitor se recorda, o Skip mostrava um cantor pimba a descer a rua num bairro popular em perfeita comunhão com o povo local. O que mostra agora a Neoblanc? Numa esquina de uma aldeia (que, pela arquitectura, parece espanhola) há uma casa onde, no terceiro andar, resplandece em branco total roupa branca secando. Ao cruzamento - lugar de decisão - chega uma procissão popular mortiça, com banda lenta, sendo que no andor está, não um santo, mas um pano branco de brancura desmaiada, quase cinzento. Na esquina está uma guia com um grupo de turistas louros e, portanto, ingénuos, fotografando a procissão. Mas do terceiro andar cai uma peça de roupa no chapéu de sol da guia, a qual o levanta para ser seguida... e todos os crentes da procissão popular (crentes do Skip?), em vez de seguirem o andor e a banda, seguem agora pela outra rua, atrás da peça lavada com Neoblanc.
Eis, pois, muita simbologia, pesadona como o andor, para combater a leveza do cantor pimba rua abaixo. Os que acreditavam no "santo" da procissão, mal viram o branco santíssimo da roupa que cai do céu, mudaram de rumo, de "vida" (de marca) e seguiram em grupo atrás do novo branco, não com arquinhos e balões, como seria de esperar nos santos populares do Skip, mas apenas com... balões... pela rua enfeitada de arcos de papel colorido. E o andor lá seguiu pela outra rua, nem por acaso de sentido proibido.