Opinião
Estratégia em português: o caso do ensino superior
A colaboração implica que as instituições da região, muitas vezes em competição, terão de aprender a trabalhar em conjunto para resolver problemas comuns e levar a cabo projetos com benefícios partilhados.
O setor do ensino superior e a investigação científica da região metropolitana de Lisboa, depois de decénios de progresso, decidiu apostar em força no seu posicionamento internacional. Reconhecendo o papel fundamental do talento, do ensino e da investigação para o desenvolvimento das regiões, e a vocação de Lisboa para atrair e fixar talento internacional, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR) decidiu introduzir este setor na sua estratégia de especialização inteligente.
O impacto na economia da região inclui receitas diretas de propinas de alunos e projetos de investigação internacionais, que beneficiarão as instituições de ensino superior e institutos de investigação e ativarão setores como alojamento e serviços. Mas o benefício maior será a disponibilização de talento que sustentará outros setores estratégicos associados ao conhecimento e à tecnologia, nomeadamente os setores da economia digital e serviços de cloud. O desenvolvimento de centros partilhados de serviços e de programação e inovação tecnológica será uma oportunidade histórica para o posicionamento da região nas cadeias de valor da economia digital. O fator crítico será a disponibilidade de talento – que será nacional, mas também internacional, formado em parte no ecossistema de ensino superior da região. Será uma Lisboa onde a atratividade do lugar alavancará o talento que atrairá a inovação e a tecnologia que, por sua vez, potenciarão o ensino superior e a investigação – num ciclo virtuoso proposto pela nova liderança da CCDR e que pode, para sempre, transformar a região e o país.
A proposta para o ensino superior tem quatro eixos fundamentais: a atração e fixação de alunos, professores e investigadores internacionais; a curadoria de uma experiência pessoal e profissional de excelência em todas as dimensões; uma ligação próxima com o ecossistema empresarial da região, do país e da Europa; e a atração de projetos e conferências internacionais de investigação. O sucesso da estratégia sugerida tem alguns requisitos relacionados, sobretudo, com a flexibilização burocrática e administrativa que hoje complica a vida das instituições de ensino superior e investigação científica.
Mas o desafio maior é, como sempre, concretizar a estratégia e fazê-la criar riqueza, postos de trabalho e bem-estar para a população da região de Lisboa. Como dizia Peter Drucker, “a Cultura come a Estratégia ao pequeno-almoço” e a cultura lusa não tem uma tradição de excelência na execução de estratégias com uma ambição de longo prazo. Para sermos bem-sucedidos na ambição que temos para a região de Lisboa, temos de ultrapassar alguns dos fatores que frequentemente fazem soçobrar os planos que fazemos e assumir três compromissos – exigência, colaboração e coordenação.
A exigência implica que a estratégia não deve sacrificar a ambição dos objetivos ambiciosos para cada uma das instituições envolvidas, mesmo quando impõem mudanças difíceis e convocam lideranças determinadas. Nesse sentido, teremos de ultrapassar a resistência à mudança que caracteriza o ensino superior em Portugal tal como em muitos outros países. A colaboração implica que as instituições da região, muitas vezes em competição, terão de aprender a trabalhar em conjunto para resolver problemas comuns e levar a cabo projetos com benefícios partilhados. A criação de uma marca internacional para o setor será o primeiro teste da capacidade em colaborar.
Por último, a coordenação implica que os vários participantes – públicos e privados, institucionais e empresariais – assumirão as suas responsabilidades num espírito de interdependência e diálogo, em detrimento da desconfiança e do preconceito ideológico. A curadoria de uma experiência transversal de excelência, e a flexibilização administrativa e legal requerida, testarão as parcerias exigidas. Para tirarmos partido desta oportunidade histórica para a economia portuguesa e para a região de Lisboa temos de transcender os atavismos que nos impedem historicamente de acelerar a nossa transformação.
Será que é desta que estaremos à altura dessa responsabilidade?