Opinião
O que Rui Rio deveria ter dito
A questão é que não se percebe o que é que, a ano e meio das eleições, o PSD ganha com esta conversa sobre a hipótese de ser muleta do PS, e porque é que Rio não a mata à nascença.
Na entrevista desta semana ao Público e à Renascença, Rui Rio deambulou sobre o tema das alianças com o PS, defendendo que nesta legislatura "podem dar-se passos no sentido de preparar o clima para depois fazer [reformas estruturais], independentemente de quem possa ganhar as eleições". Para o efeito "tanto me faz eu ser primeiro-ministro como não ser".
Rio chegou até a convocar a nossa imaginação para uma vitória do PS: "Imaginemos um cenário de eleições de 2019 em que o PS ganha, mas sem maioria. A legitimidade que hoje o doutor António Costa não tem passaria a ter, porque ganhou por poucos. Aquilo que me parece mais razoável é nós estarmos dispostos para, a nível parlamentar, suportar um governo minoritário, seja ele qual for, neste caso o do PS."
O que não exigiu grande imaginação foi a resposta previsível da campanha de Santana Lopes, que fez desabar sobre Rio a velha suspeita de que a principal ambição política deste é atrelar o PSD a um bloco central, supostamente salvífico e regenerador.
É óbvio que, como o próprio Rio lembrou, seria preciso um enorme cinismo para o PSD andar há dois anos e meio a dizer que o PS deveria ter viabilizado um governo minoritário da coligação de direita, que teve mais votos nas últimas legislativas, e vir agora declarar que de si o PS não pode esperar o mesmo. Mas o problema não é esse. A questão é que não se percebe o que é que, a ano e meio das eleições, o PSD ganha com esta conversa sobre a hipótese de ser muleta do PS, e porque é que Rio não a mata à nascença.
O que qualquer eleitor desejava ter ouvido de um candidato a líder do maior partido da oposição (o partido com o maior grupo parlamentar, lembre-se) - principalmente um eleitor que queira uma alternativa à actual maioria - seria qualquer coisa como: "O PS fez uma escolha histórica. Para chegar ao poder atirou-se para os braços da esquerda, com a qual, fruto de incompatibilidades ideológicas inultrapassáveis, não consegue construir uma plataforma programática comum para o futuro do país. A minha missão é apresentar uma alternativa clara a essa frente paralisante e conduzir o meu partido a uma vitória, que seja a base de uma nova maioria alargada, com um projecto mobilizador, reformista, que renove a confiança dos cidadãos no Estado e a esperança que os portugueses de todas as proveniências e gerações devem ter na possibilidade de, em liberdade, cumprirem as suas legítimas aspirações. Se o não conseguir, terei falhado no propósito com que me candidato à liderança do meu partido. Portanto, discutir o que eu faria em caso de vitória do PS é discutir o que eu faria com os despojos da minha derrota. Lamento, mas não é isso que o PSD e o país exigem de mim - e, logicamente, não é para aí que estou virado."
Os portugueses têm devotado à contenda interna no PSD um desinteresse só comparável ao desinteresse da própria campanha. É certo que, quando os ciclos noticiosos cumprem a profecia que Andy Warhol fez para os seres humanos, dando fama descartável mas estratosférica a qualquer factóide do dia-a-dia, nenhum partido consegue captar do público a atenção de outrora. Mas convém não dourar a pílula: muito do desinteresse resulta de pouca gente, bem ou mal, achar com grande convicção que em Rio ou Santana está o próximo primeiro-ministro.
E é aqui que reside a trágica importância das declarações de Rui Rio. Elas cristalizam a ideia, que se devia combater, de que o melhor que o PSD pode esperar em 2019 é ser um mordomo obediente e aplicado de António Costa.
Advogado