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27 de Junho de 2017 às 19:31

Enterrar os mortos (em propaganda), cuidar dos vivos (com propaganda)

Uma semana e meia depois dos acontecimentos de Pedrógão Grande, percebe-se que a ideia que muitos portugueses têm de "responsabilidade política" exige que não se faça ou diga nada que possa remotamente parecer "aproveitamento político".

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Estranho conceito. Num outro país democraticamente mais exigente, o que se vai sabendo sobre o sucedido teria já convencido qualquer governo a intervir seriamente na cadeia de comando político e operacional que deveria ter prevenido e acorrido à tragédia.

 

A primeira responsabilidade (política) do Estado é a de garantir a segurança física dos seus cidadãos. Em Portugal o Estado falhou. Falhou redonda e fatalmente.

 

A segunda responsabilidade do Estado, perante uma tragédia deste tipo, é a de reafirmar a confiança que nele os cidadãos devem ter, mostrando que percebeu o que correu mal e que tudo fará para que isso não se volte a repetir. Infelizmente, também aqui não temos quem esteja à altura dos acontecimentos.

 

Podemos começar pelas reacções imediatas dos líderes políticos, que foram de uma simbologia aterradora.

 

Por exemplo, não é normal que, durante dias, a ministra da Administração Interna tenha aparecido continuamente perturbada e lacrimejante, sem nada de útil para dizer aos portugueses a não ser que comungava da sua tristeza.

 

Nesta cultura de sentimentalismo que se tornou política oficial no país, admito que seja isso que os portugueses esperem dos seus representantes. Mas não se diga que uma ministra atarantada e desesperada é a imagem de uma liderança que reconforta e tranquiliza. Não é. O que é, é a imagem de um Estado impreparado, prostrado e derrotado.

 

Mas o pior ainda estava por vir. Depois de dias a defenderem que ainda não era tempo de "apontar o dedo" a quem quer que fosse, o que se percebeu é que o Governo, a maioria parlamentar e seus apoiantes andavam cinicamente a ganhar tempo para afinar a máquina de propaganda, à procura de "narrativas" que, por muito absurdas, encaixassem nos seus interesses com a precisão de um trovão seco.

 

Por entre decretos sobre a incontrolável crueldade da Natureza, tentaram vender-nos como salvífica uma reforma da floresta do ministro Capoulas Santos, ainda por aprovar, cujos fins serão tão consensuais quanto lenta, difícil e imprevisível será a sua implementação. Um governo que acha que é isso que nos salvará a curto ou médio prazo é, em si mesmo, uma tragédia.

 

Depois, como, dadas as circunstâncias, a celebração dos méritos do Governo era um exercício pornográfico, quiseram desviar as culpas para a ex-ministra Assunção Cristas, que teria "liberalizado" a plantação de eucaliptos. Isto quando todos os especialistas asseveram que o eucalipto é um bode expiatório muito mal-amanhado.

 

O que se tentou, no fundo, foi encharcar a opinião pública de propaganda para que não se discutisse aquilo a que directamente se poderão ter ficado a dever as mortes - e que, portanto, pode originar responsabilidade política -, desde as repetidas falhas do SIRESP (nunca realmente investigadas) até ao caos na Protecção Civil, com uma cadeia de comando em frangalhos há meio ano por causa de uma costumeira dança de cadeiras.

 

A ministra acha que falar disto é uma "caça às bruxas". É uma declaração que mostra que nem em face da desgraça percebe os mínimos olímpicos da responsabilização democrática. Quem pode confiar numa investigação conduzida por um governo com este espírito?

 

Advogado

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